7 - Descobertas

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- Podemos conversar, Cameron? - Perguntei-lhe à saída do mosteiro.

- Claro Cassandra. - Respondeu meio apreensivo tentando perceber a natureza da conversa.

Seguiu-me em silêncio até às traseiras do edifício principal onde o mosteiro ligava à antiga igreja que agora servia mais de arrumos para todo o material escolar necessário. A igreja que ainda servia os seus propósitos ficava no centro perto do edifício da câmara. Sentamo-nos no murete, outrora protetor, que rodeava o mosteiro.

- Cameron preciso de falar contigo sobre um assunto delicado e tens de me prometer ser o mais sincero possível por muito que isso te custe. - Larguei os seus ombros. - Conta-me tudo o que te lembras sobre o ataque no cemitério quando o Zack Locker foi morto e o Martin Miller atacado. Por muito bizarro que possa parecer.

- Lembro-me que depois da festa fomos celebrar para o cemitério, a Hera manteve-se na festa por ser organizada pela sua família e por ser um dos eventos anuais que ela mais valoriza e a Afrodite tinha um horário rígido a cumprir imposto pela Brianna, apesar de algumas vezes se baldar naquele dia optou por não o fazer. Lembro-me também de achar que não estávamos sozinhos, pareceu-nos ouvir barulhos vindos da parte densa da floresta.

- Continua, estás a ir muito bem. - Incentivei-o reparando na luta interior para verbalizar alguns acontecimentos.

- Bebi outra garrafa de vodca e depois ficou tudo desbotado, de vez em quanto ouvia uma ou outra voz num género de conversa intercalada com alguns gritos. Não me lembro do que diziam nem do que os atacou, depois acordei no hospital horas mais tarde.

O Cameron havia visto bastante mais do que o seu consciente tinha noção, teria de ver o que ele viu através dos seus olhos, não o poderia fazer na rua, não podia correr esse risco. Compeli-o a seguir-me até minha casa onde estaria à vontade. Sentei-o no sofá em frente a mim e meti uma mão em cada têmpora.

- Ostendit mihi in veritate. - Pronunciei.

Inúmeras imagens desconectadas inundaram-me a mente, fragmentos perdidos no sub-inconsciente, lentamente começaram a montar-se e a materializar-se naquela noite, o cenário principal eram uns troncos grossos amontoados ardendo fugazmente e apenas se via os membros inferiores dos restantes rapazes.

- Podias ter adormecido em pé. - Murmurei.

De repente umas patas castanhas escuras circundam os jovens, parecia uma criatura das trevas embora não desse para ver completamente, de seguida uns sapatos pretos perfeitamente engraxados no fim de umas calças pretas, ergueram um dos rapazes.

" - Finalmente encontrei-te. - Consegui sentir o poder daquela voz mesmo através de uma memória. Não era humana.

- Creio que se enganou na pessoa. - Ouviu-se em resposta.

- Não Zack, és mesmo tu quem procuro.

- Não me ocorre razão alguma para tal. "

O que se seguiu não era percetível daquele ângulo, vários flashes brancos e vermelhos oscilaram como fogo de artificio seguidos por gritos e uivos, frases inacabadas como "Nunca terás aquilo que procuras" ou "Matar-nos não te resolverá o problema, ela perseguir-te-á até ao fim". Após o reboliço ter cessado ouviu-se em voz clara.

- Acaba com os outros.

Ainda se ouviram gritos depois disso, embora mais ténues. Conseguia ver um corpo em convulsões violetas enquanto a criatura o desfazia nas suas garras. E de repente a criatura parou, algo lhe captou a atenção.

- Back ad infernum malo.

Uma luz verde engoliu a criatura prendendo-a.

- Pellibus.

O cenário voltou ao inicial com a única diferença que os rapazes já não respiravam. Reconhecia aquela voz em qualquer lado, a Brianna não se limitara a assustar a criatura com a sua chegada.

Arranquei as mãos de um Cameron lívido, o maior inconveniente desta experiência passava por não ser possível ocultar a revelação dos olhos da vítima, apesar de não ser a primeira vez que as imagens vaguearam pela sua cabeça, desta vez eram vividas e percetíveis.

- O que acabaste de ver não passou de um pesadelo. Podes ir agora.

***

Os artigos mais antigos que consegui recolher, no arquivo municipal da cidade, dos jornais locais remontavam a 1850, a maioria estava ilegível devido ao desgaste do papel e aos ratos que circulavam nos corredores da cave. Pelo que podia ver os ataques ao redor da fronteira, na orla da floresta, eram recorrentes. Segundo os relatos, na altura atribuía-se a responsabilidade a ser um ser maligno enviado do inferno. Para além dos ataques inexplicáveis para a qual a ciência ainda não arranjara um argumento satisfatório haviam alguns acidentes naquela pilha de folhas velhas. Em 1875, no dia 11 de Novembro, um eclipse banhou os céus pintando a terra de negro e nos anos seguintes não ocorreu um único incidente.

Um cabeçalho que me captou a atenção remontava a 1900 - Explosão violenta numa habitação rouba a vida a 5 jovens mulheres - passei os olhos pelo resto do artigo onde o enredo se adensava.

No dia 11 de Novembro numa das zonas habitacionais nos limites da cidade uma explosão na casa da governadora Eleonor Brooker rouba a vida a 5 jovens sendo esta uma das vitimas mortais. Cada uma destas mulheres pertencia a uma das cinco famílias fundadoras da cidade de Emor: Locker, Knight, Brooker, Bishop e Bennett. Segundo a avaliação dos peritos no local tudo indica ter sido um acidente provocado pela utilização de velas junto aos cortinados na divisão da sala.

Os nomes das famílias fundadoras apareciam fragmentados nos outros inúmeros acidentes, uma coisa curiosa é que não havia registos de um ataque/morte dirigida a um individuo em especial, como se de alguma forma estivessem mascaradas as verdadeiras intenções e os alvos intencionais misturados com vítimas de oportunidade. Aparentemente após esse acidente só voltam a existir relatórios policiais de mortes violentas e, por vezes difíceis de explicar, a partir de 1970.

Em 1975, no dia 11 de Abril, Andy e Mary Bishop sofreram um acidente na ponte que liga a cidade de Emor a Flet, a estrada empedrada estava escorregadia devido ao mau tempo que se sentia naquela noite e o carro despenhou-se caindo ao rio. Quando os socorros chegaram ao local nada puderam fazer. Segundo informações Mary Bishop conseguiu sair do carro mas não a tempo de evitar o pior, quanto a Andy Bishop suspeitam que o embate na água não lhe tenha dado qualquer hipótese de fuga.

Não conhecia a família da minha mãe, por razões minhas desconhecidas, Andrew Bishop nunca falava do seu passado comigo ou com alguém. Ao ler todas aquelas notícias e relatos em vez de obter respostas ainda criei mais perguntas rebuscadas na minha mente ativa. Enquanto arrumava as piras de papéis para as entregar à funcionaria uma das folhas escorregou. "Acidente com gás mata Elena e Matt Knight", a notícia da morte dos pais da Afrodite tal e qual como me contara.

Agora estava na altura de confrontar a Brianna e não me contentar apenas com falinhas mansas nem balelas, a esta hora a Afrodite ainda estaria fora. Sabia mesmo antes de bater que a Brianna estava à minha espera.

- Deduzo que não me vá convidar a entrar.

- Que perspicácia.

- Não creio que aqui fora seja o lugar mais indicado para esta conversa.

- Sei de um sítio perfeito.

Estalou os dedos criando uma fumaça esbranquiçada, do outro lado era possível ver um corredor de pedra iluminado por tochas regularmente distanciadas, parecia um local subterrâneo pela humidade na rocha.

- Entra. - Ordenou.

Se queria obter respostas,respostas sinceras e verdadeiras, teria de ceder e jogar pelas suas regras pormuito agoniante que isso fosse. 

A Prisioneira LivreOnde histórias criam vida. Descubra agora