14 - Exitum

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A Brianna, deitada naquele tecido creme de cetim, parecia a bela adormecida embalada num sono profundo à espera de um motivo válido para abrir os olhos uma vez mais. Se não fosse o vestido branco rendado por milhões de fios dourados, como se fossem um emaranhado de teias de aranha, poderia acreditar mesmo nas aparências. Infelizmente, a realidade era crua e amarga. A Brianna estava morta e o assassino a beber chá no seu reino, em minha casa. No entanto, aqui estávamos nós, num memorial em vez de estarmos a perseguir o responsável.

- Pará Cassandra! - O encosto da Diana ecoou como uma chicotada pelo meu corpo. - Temos um ritual a cumprir, não estamos a desperdiçar tempo, estamos a enterrar um ente querido, uma bruxa, uma anciã. Mostra respeito criança!

Por vezes esquecia-me que víamos os outros pelos óculos que estes nos forneciam, podia contar pelos dedos as vezes que a Diana revelava os seus quarenta anos de vivências para me puxar do abismo que era o meu egoísmo natural.

- Pronta? - Perguntou-me assertiva.

O ritual era discreto porém percetível a olhos alheios como tal apenas nós poderíamos estar presentes. Incluímos a Afrodite, embora apenas como canalizadora de energia pois a sua magia ainda era dúbia por si só, para se despedir, para o derradeiro adeus. Ao redor da pedra de mármore rosa pousamos as mãos, uma por cima da outra, em frente ao peito e criamos uma bola de luz fluorescente que iluminou o corpo realçando os finos fios que lhe envolviam o corpo. Um clarão dourado incendiou o céu e elevou o corpo no ar, beijando-o uma última vez antes de o devolver ao seu lugar, à terra.

As poucas forças que restavam à Afrodite voaram com a pequena brisa. A Diana levou-a para dentro de casa enquanto ainda era possível.

- Cassandra posso ser eu fazê-lo enquanto acompanhas a Afrodite.

- Não é preciso, dou conta do recado.

Na realidade, a minha existência não era tão vasta assim, por isso este seria o primeiro funeral que prepararia. Vigorosamente rodei os dedos sobre o pedaço de terra remexido onde a espessa pedra se encaixara. A lápide dourada emergiu das profundezas da terra fresca, aos olhos de um ser ordinário não passaria de uma laje de mármore esculpida com a data de nascimento e falecimento. No entanto, para nós, criaturas sobrenaturais era a imortalização de uma alma, o reconhecimento em vida e morte de uma bruxa.

Brianna Bishop
12-12-1900
11-10-2017
Amada Anus

Um ruído despertou a minha atenção, havia alguém nas sombras, conseguia senti-lo. Quem teria interesse em espiar um evento fúnebre se não aquele que o orquestrou? Caminhei em direção ao ruído, desejosa que a criatura responsável tivesse voltado.

- Finalmente é-me dado o prazer de conhecer a famosa Cassandra Blake. - Uma rapariga, morena de longo cabelo preto entrançado e roupas escuras de um outro século, sorriu-me.

- Receio não ser recíproco. Quem deseja falar-me? - Inquiri levantando a sobrancelha esquerda.

- Devo admitir que estou desapontada. - Sorriu de novo exibindo uns dentes brancos perfeitamente alinhados e afiados.

- Raven Stocker, presumo. - O nome ecoou na minha mente como um sino em hora de ponta fazendo as minhas presas irromperem da carne.

- Podes encolher os dentes querida. - O sorriso alargou-se ainda mais. - És bastante perspicaz para alguém tão fácil de encontrar. - Aproximou-se dois passos e sussurrou. - Felizmente ainda não chegou a tua vez.

- O que significa isso...? - Aquelas palavras não faziam qualquer sentido. - Porque estás aqui se "ainda não chegou a minha vez"? - Estava genuinamente espantada com o rumo da conversa.

A Prisioneira LivreOnde histórias criam vida. Descubra agora