1 - Cidade Nova

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- Bem-vindo a Emor. População: 200 habitantes. - Li numa placa de madeira degastada pelo tempo e pela ferocidade dos rastejantes que a utilizam como alimento. - Seria mais adequado "Bem-vindo ao fim do mundo". Obrigada mãe. - Resmunguei atirando as mãos para o ar.

Não fazia ideia do motivo que levara a minha mãe a mandar-me para um sítio remoto onde, com uma população tão reduzida, seria bastante difícil passar despercebida e evitar coscuvilhices. Também não me tinha dado instruções sobre onde ir ou com quem ir ter quando chegasse deixando-me completamente à deriva num sítio desconhecido, coisa que me desagradava apesar de todas as minhas capacidades.

Percorrera 10 cidades em diferentes países e continentes nas últimas duas semanas antes de assentar onde provavelmente teria de ficar até a matar ou até encontrar alguém que o fizesse por mim. As notícias não viajavam tão depressa quanto eu por isso não sabia o que tinha acontecido no palácio ou como estavam todos os presentes que lá se encontravam.

Mentalmente defini uma lista de afazeres prioritários, primeiro teria de arranjar roupa confortável e casual que não destoasse nem desse por demais nas vistas, basicamente algo que não fosse um vestido preto de veludo com um corpete de cordões dourados e símbolos góticos com um saiote armado do século XVIII. Depois teria de encontrar onde ficar, preferia um sitio isolado em vez de uma moradia partilhada com adolescentes inconsequentes mas se me queria enquadrar de modo natural teria de fingir que não sou mais do que uma aluna de intercâmbio, ou semelhante, e depois teria de encontrar comida o que com uma população tão reduzida também seria um desafio, teria de escolher sabiamente.

Corri até ao centro num piscar de olhos, precisava de conhecer a cidade, o que havia, onde se situava, como se movimentavam os habitantes e quem eram as chefias. Para uma população tão diminuta não eram necessárias grandes construções pelo que o centro definia-se por um jardim acastanhado com tímidas flores a romper da terra e meia dúzia de bancos de madeira outrora brancos de onde se via praticamente todos os serviços considerados públicos, um bar/restaurante intitulado "Mistique", uma mercearia com produtos variados, um posto de correios e o resto do quarteirão erguia um edifício imponente em mármore branca com o brasão de Emor onde se liam em letras metálicas desgastadas pelo tempo "Serviços Municipais de Emor". Num mastro ferrugento a bandeira do Reino Unido esfarrapada esvoaçava a favor do vento quente que se fazia sentir. Os serviços administrativos e a esquadra da polícia eram no mesmo edifício. O hospital encontrava-se por trás da câmara, numa cota mais elevada, ocupando a maior área sendo visível de vários pontos.

Duas das cinco ruas que desaguavam no centro levavam a zonas urbanizadas com casarios semelhantes, em pedra trabalhada com jardins frontais e pequenos espaços traseiros cercados a madeira pintada de branco. Algumas acusavam o tempo e a falta de intervenção, os tejadilhos mais recentes já não usavam as típicas telhas avermelhadas mas sim um contraplacado acinzentado. Os carros estacionados de ambos os lados da rua eram estranhamente recentes e bem preservados.

A terceira rua que não dava nem para o hospital, nem para a escola primária, nem para a urbanização levava a um aglomerado de lojas comerciais diversas, de ambos os lados da rua, que satisfaziam os desejos dos clientes locais.

Provavelmente, numa vista aérea, apenas se veria uma densidade florestal pincelada de pontos brancos, por isso tudo o que um ser humano pudesse precisar teria de existir ali, havia apenas um transporte diário que realizava uma viagem de manhã e outra ao fim da tarde transferindo aquelas pobres pessoas de um isolamento cruel para uma civilização despreocupada e ignorante.

Felizmente para mim tal não era um obstáculo, poderia deslocar-me de país para país à velocidade de um avião, caso contrário seria bastante frustrante viver ali mais de meia dúzia de semanas.

A Prisioneira LivreOnde histórias criam vida. Descubra agora