24 - Promessas

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Contrariada, acedi ao pedido de Hera deixando-a fazer as honras quando o Martin acordasse do seu sono de beleza. A Hera estava agachada, sobre os joelhos, no tapete com a cabeça pousada no sofá, onde o Martin dormia, com as suas mãos a espremerem a dele. Estivera debruçada sobre ele até o sono levar a melhor. A Afrodite também adormecera na poltrona. A Diana saíra para trazer comida comestível da mercearia da praça. Olhei para os três de soslaio, envoltos nos seus sonhos, pareciam tranquilos e despreocupados, quase normais. Porém a tempestade estaria prestes a rebentar-lhes o âmago.

A Raven mostrara-se muito mais que uma criatura ressentida que dedicara a sua vida a alimentar o ódio induzido por criaturas noturnas. Criada pelo fogo, terra e sangue adquirira algumas das suas propriedades não sendo nem bruxa nem vampira, a sua força desmedida tornava praticamente impossível um confronto corpo a corpo, mesmo para uma criatura dotada em resistência. E a sua rapidez também levantava problemas por isso provocá-la ou arreliá-la não se demonstrava nada inteligente, pelo menos não enquanto não fôssemos unidos como uma alma só.

Algo me dizia que convencer a Alana Bennett a juntar-se a nós não iria ser pera doce, se realmente se confirmasse o seu envolvimento na fuga da Raven de Merwin, o improvável passaria a impossível. Ela nunca se viraria contra aquela que, na sua mente, era a única que a poderia salvar.

A Diana entrou com meia dúzia de sacos na mão trazendo um pouco de tudo contando certamente em preparar o almoço para os quatro, nenhum deles comia desde o lanche em casa da Hera no fim da tarde do dia anterior. Eu já não poderia dizer o mesmo, esvaziara três das oito bolsas de sangue hospitalar, que guardava no frigorífico, ao ouvir o discurso condescendente de Hera e Afrodite sobre o meu comportamento na decisão de resgate do Martin das mãos de Raven.

- Meninas.

Chamou a Diana da cozinha alinhando três embalagens de comida pronta para aquecer no micro-ondas. A reduzida população de Emor pouco ou raramente comia refeições congeladas por isso a ínfima percentagem de que dispunham estava realmente ultracongelada - quando não expirava o prazo. As embalagens indicavam uma determinada temperatura para um tempo definido, como não tínhamos de facto um eletrodoméstico micro-ondas, a Diana aqueceu-as com as mãos emitindo raios micro-ondas para finalizar a cozedura das lasanhas.

Como resposta recebeu uns grunhidos seguidos de uns resmungos, ainda ensonadas escorregaram pelas cadeiras da cozinha e pousaram os cotovelos na mesa a segurar a cabeça. Peguei nas embalagens escaldadas e pousei uma à frente de cada uma dando-lhes um garfo.

- Comam! - Ordenei como se não passassem de crianças de cinco anos a declinar um prato de sopa.

Encostei-me à bancada na companhia da Diana, memórias da minha infância com ela afloraram à superfície de momentos semelhantes em que nos obrigavam a ficar sentadas numa grande mesa gótica nas horas das refeições, apesar de querermos fazer tudo exceto estar ali. Inevitavelmente um sorriso surgiu-me na cara contagiando a Diana, que se entalou com a garfada recentemente metida à boca.

Um grunhido despertou a nossa atenção. A Hera saltou da cadeira completamente desperta tropeçando no pé da mesa tal era a urgência. Seguiram-se vários gritos, a Hera agarrou a mão de Martin, desajeitadamente tentando equilibrar-se nos joelhos, na tentativa, vã, de o acalmar. A Afrodite também se aproximou com grande rapidez sentando-se no braço do sofá do lado onde Martin tinha os pés. Incomodada pela gritaria crescente, a Diana implorou-me com o olhar que pusesse término aquele espetáculo deprimente antes de lhe causar danos auditivos permanentes. Bufei pousando o copo redondo de whisky na bancada, projetei-me para a frente dirigindo-me à fonte do problema.

A solução não era complicada nem de difícil aplicação, era, apenas, pouco ética. Com a rapidez minha característica esbofeteei-o. Um silêncio misericordioso abateu-se sobre a divisão, tirando a Diana - que conhecia os métodos e tinha pouco de suscetível - todos me olharam boquiabertos como se tivessem testemunhado um ato profano punível aos olhos da inquisição.

A Prisioneira LivreOnde histórias criam vida. Descubra agora