23 - Confiança Quebrada

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- Onde? - Sibilei.

- Aqui, em Emor. Na escola.

A Diana parecia tão, ou mais, confusa que eu. Cansei-me de conjeturas, queria respostas e agora sabia onde encontrá-las. Estava preparadinha para arrancar contra o vento ao meu próprio ritmo, sem chatices nem preocupações, o único problema era que quem sabia o caminho não era eu. Praguejei.

Demoramos o expectável a chegar à escola de casa do Martin, a pé. Ou seja, sensivelmente quinze minutos, quinze intermináveis e dolorosos minutos. Durante o caminho interroguei-me várias vezes porque o levariam para a escola, um sítio populado na maioria do dia, onde facilmente seria exposto.

A escola estava mergulhada na escuridão, como seria de esperar nenhuma luz se deixava acesa à noite. Com umas instruções rápidas, a Hera e a Afrodite aprenderam a usar as mãos como lanternas, uns feixes de luz branca saltaram-lhes da palma da mão esquerda. As suas expressões foram tal uma criança deslumbrada com um brinquedo novo. A Diana encaminhou-nos pelos corredores, passamos a área exclusiva a funcionários e administradores até batermos contra uma porta antiga de pedra, igual à parede onde estava embutida, passava despercebida até aos observadores. Voluntariei-me para a derrubar sendo "flashada" pelas três numa sincronia perfeita. Revirei os olhos no escuro e bufei. Ao fim de alguns empurrões a porta cedeu largando uma nuvem de pó.

Dez escadas apresentaram-se à nossa frente, igualmente de pedra, embora enegrecidas pela humidade e ausência de luminosidade. Eu e a Diana entreolhamo-nos decidindo mutuamente avançar, ainda tentei obrigar a Hera e a Afrodite a ficarem do lado conhecido mas o medo de se verem sozinhas pesou mais que o terror do desconhecido. À medida que avançávamos pelo túnel a que a escadaria dava acesso, a sensação de desconhecido tornou-se familiar. Porquê?

Ao acender as tochas dispostas de cada lado das paredes húmidas e rugosas do túnel, a minha mente iluminou-se também. Conhecia-os porque já lá estivera. Como se precisasse de comprovação acrescida, a cela onde a Brianna mantivera a criatura da noite, que fugira rebentando com ela, apareceu diante nós.

- Os famosos túneis em que a Brianna se movimentava estiveram sempre debaixo dos nossos pés. - Comentei passando à frente da Diana.

Várias foram as vezes que me interroguei que sitio seria aquele. Num tom baixo e arrastado ouviu-se alguém tossir, alguém certamente fraco. Martin. Preso com algemas a uma das barras metálicas que ainda se mantinha de pé, encolhido e confuso. Entreabriu os olhos e mirou-nos com um grande ponto de exclamação estampado na sua cara, que apenas se acentuou com o abraço brusco de Hera. Ainda tentou balbuciar alguma coisa, talvez para nos avisar que não estávamos sozinhos.

- Raven. - Cuspi grosseiramente. - Devo dizer que não fiquei propriamente surpreendida. No entanto, o motivo de tudo isto escapou-me, talvez uns metros mais ao lado, seria desejável.

- Este humano é-me insignificante, contudo representa um papel importante neste jogo. - Cantarolou balançando a comprida trança.

Aproveitando o foco da Raven em mim, começaram a tentar libertar o Martin das correntes para o porem a salvo.

- Deduzo então que raptaste um humano para marcar uma posição. - Declarei tentando não mostrar irritação.

- A Marie falou comigo Cassandra. Sei qual é a tua cruzada. - Sorriu alegando a sua insanidade.

- A única cruzada que tenho é encontrar os responsáveis por isto tudo e abatê-los. Nada mais. - Sibilei colocando-me à frente deles para lhe bloquear a vista.

- Cassandra sabes muito bem quem são os responsáveis, o Connor e o Klaus. Sangue do teu sangue, quando a altura chegar não vais fazer nada contra eles. És vampira, por reflexo, não és de confiança. - Se a ideia da Raven passava por semear a discórdia, estava a ser muito bem-sucedida.

- Não julgues conhecer-me nem me rotules pela única realidade a que te limitaram. - A minha voz ecoou pelo corredor e o meu sangue ferveu.

- Durante séculos as bruxas temeram dois irmãos implacáveis que, por onde passavam, deixavam rastos e rastos de corpos. Cansadas e impotentes criaram a única defesa passível de lhes fazer frente para proteger desesperadamente as gerações futuras. Persegui o Klaus durante 100 anos sem nunca o conseguir de facto eliminar, quando a tua mãe apareceu na figura, o Connor decidiu fazer um pacto comigo, entregava-me o irmão e em troca poderia criar-te na luz e não nas sombras.

"Acedi ao pedido, a minha missão é exterminá-los, não tenho prazo, aguentava bem alguns anos até que o Connor cometesse um deslize. No momento certo, quando o coração de Klaus jazia entre os meus dedos, o Connor mudou de lado e foi assim que acabei em Merwin. - Aproximou-se de mim e sussurrou. - Não cometo o mesmo erro duas vezes."

- O que fez o Connor entregar o Klaus inicialmente? - Perguntei aturdida dando um passo atrás.

- Ninguém te transformou por ser engraçado nem divertido ter uma bruxa imortal, o Connor fê-lo, em parte, para te proteger do Klaus. No dia em que nasceste o Klaus surpreendeu a tua mãe, queria o companheiro de sangue de volta, e como matá-la não lhe traria divertimento virou-se para ti. Digamos que foi a gota de água.

De uma forma distorcida, fazia mais sentido aquela versão da realidade, da minha transformação.

- Não sou o meu pai! E preciso realmente da tua ajuda para os travar, se for o caso, aos dois. Para isso preciso de uma Bennett e tu sabes onde encontrá-la. Sozinha não os podes parar, tiveste algum tempo para o perceber.

- Não te vou dar a fórmula para me derrotares querida. - Proferiu parando uns minutos para pensar e exibiu um sorriso quando voltou a falar. - Poderia dar-te a localização dela que não alteraria nada. Quem é que achas que me tirou de Merwin?

- Alana... Bennett. - Ouvi uma voz arrastada, olhei para trás, o Martin estava apoiado com um braço na Hera e outro na Afrodite.

- Cinco pontos para o humano n°1. - Jubilou a Raven. - Sabes que mais Cassandra, mudei de ideias, talvez vos ajude. Prova-me que és digna da minha confiança.

Abanei a cabeça confusa e encolhi os ombros, a minha paciência para as charadas e meias conversas entrara na linha vermelha. Cruzei o olhar com a Diana pedindo auxílio, não era a única a perder o fio à meada. Tanto as meninas como o menino estavam demasiado assustados e desconcentrados para assimilarem fosse o que fosse.

- E como pretendes que o faça? - Inquiri genuinamente admirada.

- Podemos começar por desfazer umas compulsões. - Moveu-se tão rápido e silenciosamente que impossibilitou qualquer reação. Atirou-as ao chão e encarcerou a cara de Martin nas suas mãos, segurando-o praticamente. - Ou então podemos matá-lo, seria certamente menos divertido para mim mas... - O Martin soltou um grito quando ela pressionou as mãos contra a sua cara.

Demorei meia dúzia de segundos a ponderar se valia a pena arriscar tanto por um humano, trazer-lhe todas as memórias de volta seria uma valente chatice, uma enorme carga emocional ia abater-se sobre o Martin e não poderia propriamente abandoná-lo à sua sorte com o conhecimento de tantos segredos. O meu devaneio foi interrompido pelos gritos da Hera, da Afrodite e até mesmo pelo toque da Diana. Distingui algumas frases do meio de tanto histerismo como "De que estás à espera?", "Estás louca?" e "Acaba com isto Cassandra!". Com um revirar de olhos afastei a minha natureza, os meus instintos predadores e ordenei-lhe que parasse.

- Isto não vai ser bonito nem agradável. - Avisei substituindo as mãos da Raven pelas minhas, desfiz a compulsão desde o dia um, os olhos do Martin escureceram e esmoreceram, o medo inundou-lhe a expressão, um medo diferente do anterior, medo puro, o coração acelerou, acelerou, o êxtase foi tal que o fez desmaiar.

- Satisfeita? - Rosnei transferindo o corpo inanimado do Martin para o meu ombro direito.

- Para já sim. Prosseguindo, esta era a parte fácil, agora o verdadeiro desafio, convenceres a Alana a juntar-se à tua fantasia.

Sem esperar uma resposta, um trejeito ou um som, embrenhou-se no túnel pelo lado oposto por onde tínhamos vindo e desapareceu. Aproveitei e fiz o mesmo, não queria continuar ali quando o Martin acordasse.

A Prisioneira LivreOnde histórias criam vida. Descubra agora