21 - Gosto amargo da derrota

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Na quarta-feira marquei um encontro com Liv. Sentia que havia uma corda em meu pescoço que apertava um pouquinho mais a cada dia, estava sendo sufocada pelos problemas. Estava oficialmente brigada com minha mãe e estremecida com Alex depois a última revelação. Levaria um tempo para digerir o fato que meu melhor amigo não confiava tanto em mim quanto eu acreditava, e fui obrigada a concordar com ele que sempre dizia que as coisas não seriam tão fáceis agora que havia um bebê entre nós, praticamente nos unindo e separando ao mesmo tempo. Cheguei antes de Liv no Ingênuos desta vez, mas não adiantei os pedidos e nem nada, meu estômago estava muito sensível desde o início da semana e não estava me sentindo muito bem.

- Que carinha é essa? - Liv foi direto ao ponto quando alcançou a nossa mesa, puxando uma cadeira e sentando-se de frente para mim, como sempre. - Não parece muito bem.

Ela pegou um cardápio abandonado na mesa ao lado da nossa e começou a deslizar os olhos pelas opções, sem escolher nenhuma delas no final da inspeção. Hesitei por um longo momento, o que atraiu a atenção de minha amiga para mim. O normal entre nós era escolhermos o lanche em 2 minutos e passar as próximas três horas seguintes falando sem parar, sobre nossas vidas, nossos problemas e as aventuras vividas na semana, no mês, em toda nossa existência.

- Pode falar para mim, Kika. - Ela debruçou sobre a mesa. - Pode confiar.

- Estou grávida, Liv.

Ela não respondeu.

- Do Alex.

Os olhos de minha amiga arregalaram-se nas órbitas e ela ficou extremamente séria.

- Ele não quer assumir a paternidade, é isso?

- Pelo contrário. - Expliquei. - Ele parece muito ansioso e contente com a notícia, com medo, óbvio, um pouco confuso com a mudança também.

- Então qual é o problema?

- Ele está namorando.

- Com quem? - A voz de Liv subiu uma oitava. - Desde quando? Vocês acabaram de transar, como ele pode estar com outra pessoa?

- Nós não acabamos de transar, Liv. - Corrigi com impaciência. - Tem praticamente quatro meses que tudo aconteceu.

- Você está grávida de quatro meses?

- Nossa! - Exclamei e coloquei a mão sobre meu ventre que ainda não apresentava grandes sinais de uma gravidez. - Colocando assim, em números, até eu fiquei assustada. 

- Quase na metade da gestação e uma barriguinha discreta. - Liv concluiu. - Pode ser por causa do processo de emagrecimento, né? Eu fiquei logo barriguda quando engravidei do Heitor.

- Tive alguns problemas de saúde, lembra? - Perguntei e Liv concordou com a cabeça, recordando-se do episódio do desmaio na faculdade. - Foi naquele dia que descobri sobre a gravidez.

- Você nem me contou... - Minha amiga resmungou.

- Me perdoa, mas é que foi tão complicado dar a notícia para o Alex e depois para minha mãe, que teve um surto. - Pedi enquanto segurava a mão dela sobre a mesa. - Ele me levou para conhecer a família dele neste fim de semana, acredita?

- Nossa! - Ela exclamou, aparentemente esquecendo a chateação por eu não ter contado nada até o momento. - E como foi com a sogrinha?

- Ela não é minha sogra! - Rebati. - É sogra da Clarice.

- Aquela loira aguada que parece o clone da Marcela? - Liv compartilhava da mesma opinião que eu a respeito das mulheres com quem Alex saía. - Mas o que ele fez com a Luciana? Eu lembro que ela é um amorzinho de pessoa, muito fofa. Por que ele não ficou com a Lu?

- Sim, ela mesma. - Apoiei o cotovelo na mesa e usei a mão para descansar o queixo. - Antes de saber da notícia sobre os pombinhos, a última atualização que tinha era que o Alex estava saindo de novo com a Luciana. Agora não sei que fim ele deu nela, é confuso!

- Esse cara abusa da sorte de ser extremamente gostoso! - Liv esbravejou. - Será que ele nunca deixa o pinto dentro das calças?

- Acho que não. - Suspirei.

- Marcela, Clarice, Luciana. - Ela começou. - Ana Maria...

- Para de ser ridícula! - Ralhei irritada.

- Mil perdões, Kika, mas agora você é estatística.

Caímos na gargalhada e fizemos nosso pedido. Desta vez eu pedi um sanduíche natural, mesmo sem ter a certeza que meu estômago aceitaria a oferta.

- Provavelmente está ficando enjoada por causa do bebê.

- Mas eu estava bem, não faz sentido.

- Você está no quarto mês de gestação, amor. - Ela ponderou com carinho. - Ultrapassou a fase crítica das náuseas e enjoos sem nenhum episódio importante. Agora o bebê está mandando o recadinho dele enquanto pode.

- Você é má!

- Eu passei três meses infernais, vomitando até alma. - Ela justificou. - Você está no lucro.

Enquanto comíamos expliquei a ela sobre a briga que tive com minha mãe e contei sobre o episódio com a Teresa, pois precisava dividir um pouco da minha angústia com alguém. Era bom poder contar com o ombro amigo de Liv, que me entendia de muitas maneiras. Estava agradecida por ela ter respeitado meu momento e deixado eu monopolizar o assunto por mais de uma hora. Ela aguardou pacientemente até que eu desabafasse e me sentisse um pouco melhor.

- Acho que agora é a sua vez, né?

- Não há muito o que contar. - Ela mastigou o último pedaço de seu sanduíche.

- Quando fala assim é porque o problema é grave. - Limpei os lábios com o guardanapo e coloquei minha bandeja de lado.

- Fui para no motel com Marlon ontem depois do trabalho. - Liv confessou.

- Eu sabia! - Exclamei, chocada. - Sempre disse que essas caronas depois do trabalho levariam vocês para a horizontal.

- Foi tão bom, Kika! - Ela falou com tom de voz sonhador. - Foi maravilhoso, intenso. Ele parecia dedicado exclusivamente a me dar prazer.

- Tudo bem, tudo bom... - Falei. - Mas e o casamento? Foi cancelado?

- Não. - Ela entregou. - Sou uma piranha, né?

Olhei com atenção para a ruiva à minha frente. Não sabia o que dizer, mas a ideia de que Liv estava sendo manipulada pelo ex serpenteou em meu cérebro. Marlon e Liv conheceram-se na adolescência e ela se apaixonou profundamente por ele, pouco tempo depois tiveram sua primeira experiência sexual juntos. A família dela não aprovava o relacionamento pois ele, apesar de ter apenas dezenove anos na ocasião, contra dezesseis de Liv, já vivia com uma mulher, de quem disse ter separado-se logo que se descobriu apaixonado pela jovem. Mesmo com vigilância intensa vinda da mãe de Liv, meses depois ela engravidou e Heitor veio ao mundo. Era um bebê gordinho, com a pele rosada e fartos cabelos castanhos, uma gracinha. Liv e Marlon decidiram morar juntos quando Heitor completou três anos, mas a decisão não durou muito porque ele não era muito organizado e tinha problemas em administrar o dinheiro que recebia como produtor musical. Liv era muito jovem e imatura também, a relação dos dois era bastante explosiva, tanto para o lado do sexo quanto para as brigas intensas. Depois de quase três anos turbulentos, numa tarde de sexta-feira, Liv abandonou Marlon, levando o filho deles consigo e voltando a morar com seus pais. Hoje Heitor tem dez anos e Liv nunca conseguiu se livrar de Marlon, que ainda a procura e vive cercando-a, mas sem nunca tomar a decisão de assumir o relacionamento e o filho deles permanentemente.

- Não sei se o termo é correto. - Ponderei. - Só acho que você precisa decidir o que quer da sua vida.

- Não quero que ele se case.

- E você já disse isso ao Marlon? - Perguntei, sabendo que estava cutucando o vespeiro com vara curta.

- Obviamente que não, Kika. - Ela desdenhou. - Acha que sou louca de dar esse gostinho para ele.

- Minha gata... - Chamei sua atenção. - Você deu muito mais do que "esse gostinho" para ele ontem à noite.

- Foi uma loucura! Delícia! Quero de novo! - Ela falou animadamente e ambas caímos na risada.

O bebê do meu melhor amigo (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora