29 - A gente segue em frente

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Trinta e cinco.

Alex ligou para mim trinta e cinco vezes ao longo de trinta e cinco dias, e foi um exercício de determinação ignorar todas as vezes. Tinha entrado no oitavo mês de gestação e o momento do nascimento estava mais próximo a cada dia. Concentrei minha atenção nos preparativos para o grande dia, e tentei não perder a paciência com minha mãe, mas falhei miseravelmente em todas as ocasiões. No fundo eu sabia que a irritação que sentia não era por causa de sua atitude protetora, por querer ajudar com tudo e resolver as questões mais complicadas sobre médicos, exames, hospitais, data do parto e a logística. Ela não tinha dito uma palavra a respeito da conversa que teve com Alex naquela noite, e quando eu perguntava sobre isso ela se esquivava, dizendo que não tinha importância, que não era sobre mim, mas, sim, sobre ele.

Não tive coragem de impedir que ele fosse à consulta do pré-natal. Achei que seria injusto da minha parte e muito egoísta também, no final das contas não poderia evitá-lo o tempo inteiro. Avisei a respeito do dia e horário agendados por mensagem de texto. Quando cheguei à clínica naquele fim de tarde de sexta-feira, avistei o carro dele no estacionamento. Não poderia definir o que senti, pois foi uma mistura de sentimentos, entre eles alívio, angústia, ansiedade, medo e frustração. Ao mesmo tempo que não desejava vê-lo, algo dentro de mim parecia incompleto com a ausência do meu melhor amigo. Criei coragem para atravessar a porta de vidro e tentei me preparar para enfrentá-lo.

Assim que me viu, ele ergueu o corpo da poltrona e largou a revista que tinha na mão esquerda. Parecia ansioso, mas não veio até mim. Tentei sorrir amigavelmente, mas acho que não aconteceu, pois ele continuava com sua expressão cautelosa, observando meus movimentos. Antes de ir até ele, ocupei-me em fazer o check-in para poder ser atendida e acabei demorando mais para assinar três folhas do convênio médico do que uma pessoa normal faria.

- Você veio... - Falei baixinho quando finalmente me aproximei dele.

- Recebi sua mensagem. - Alex disse. - Pensei bastante se deveria ou não vir, mas a vontade de olhar para o bebê naquele monitor me venceu.

- Achei que não seria certo deixar você de fora.

- Obrigado por isso. - Ele estendeu a mão para tocar meu cabelo, mas não o fez, deixando-a suspensa no ar e levando-a até a própria nuca em seguida.

Não demorou para sermos chamados e iniciarmos o ritual já conhecido. Em menos de dez minutos estávamos com os olhos vidrados na tela do monitor e nosso filho estava lá, perfeito, em 3D. Alex começou a chorar de verdade e meu coração se partiu em mil pedaços. Apesar dele não emitir nenhum som, era perceptível que o choro era compulsivo, pois todo o corpo dele sacudia por causa dos soluços.

O médico disse baixinho que nos daria um momento e saiu do consultório discretamente, deixando a imagem do rosto de nosso bebê congelada no monitor. Sentei-me na maca com alguma dificuldade e meus olhos fixaram-se na figura do meu melhor amigo, um homem grande e forte, bem vestido com uma camisa de botão cor de creme que contrastava com o tom bronzeado de sua pele e calça jeans escura, sua impecável barba e feições incríveis, chorando como uma criança. Os olhos escuros de Alex estavam focados na imagem do bebê, mas eu não saberia dizer se o choro era pela emoção ou se havia algo mais.

Estiquei o braço e peguei a mão de Alex que pendia ao lado do corpo. Envolvi-a com minhas mãos e tentei oferecer algum conforto a ele. Ficamos naquela posição por alguns minutos, até que ele pudesse se acalmar. Quando sentiu-se pronto, ele pegou um lenço que havia dentro de uma caixinha que estava na mesa do médico e secou o rosto.

- Está melhor?

- Sim. - A voz dele saiu em um murmúrio.

- Vou me trocar então.

Alex ajudou-me a sair da maca e esperou que eu trocasse de roupa da saleta ao lado. Quando retornei o médico já estava em sua mesa novamente e trocava algumas palavras com meu melhor amigo. As ultrassonografias estavam na mão do Alex e ele entregou minhas cópias assim que deixamos a clínica.

- Quer carona?

- Não precisa. - Falei. - A Branca está vindo me buscar.

- Eu posso deixar você em casa, não precisa ficar aqui esperando. - Ele insistiu.

- É melhor não. - Mantive a expressão impassível. - Ela não vai demorar muito.

Ele bufou e fechou os olhos por algum tempo, tentando controlar a irritação.  Peguei meu celular dentro da bolsa e conferi a hora, aproveitando para verificar se minha irmã havia deixado alguma mensagem a respeito do horário de sua chegada.

- Vou esperar com você então. - Ele cruzou os braços.

- Não precisa fazer isso. - Retruquei. - É sério, Alex, pode ir.

- Quando foi que minha presença se tornou insuportável? - Ele quis saber. - Eu não aguento mais ficar longe de você, mas pelo visto você só pensa em se livrar de mim.

- A gente precisa de distância por enquanto.

- Por que? - Ele levou uma mão aos cabelos. - Me explica, eu preciso entender.

- Porque as suas atitudes estão me machucando! - Disparei. - Você está me matando!

Branca estacionou o carro dela na beira da calçada e fez sinal para mim. Senti uma enorme onda de alívio ao vê-la.

- Minha irmã chegou. - Anunciei. - Tenho que ir agora.

- Não... - Ele segurou meu braço, me impedindo de andar. - Espera um pouco, me explica isso direito.

- Não tem o que explicar.

- Você disse que eu estou te machucando.

- E é verdade. - Confirmei. - Não consigo ser imparcial dessa vez. Não consigo ver você errando e sendo idiota sem me envolver.

- É isso que os amigos fazem, não?

- Talvez não devamos mais ser amigos.

Sabia que aquelas palavras o magoariam demais, mas eu não estava pronta para encarar a verdade por detrás do meu relacionamento com Alex. A saída mais fácil para nós dois era mudar os termos da relação.

- Me deixe ir agora.

Alex soltou meu braço e eu caminhei o mais rapidamente possível para o carro de Branca. Ele continuou ali, de pé na calçada, enquanto minha irmã nos tirava daquele lugar.

O bebê do meu melhor amigo (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora