V - Jantar Conversado

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Ao escutar-se aquele aviso animador que, repetido pela boca de Niall, tinha chegado até ao gabinete onde conversavam Harry e Liam, raios de alegria brilharam em todos os semblantes. Cada cavalheiro deu o braço a uma senhora e, par a par, se dirigiram para a sala de jantar. Eram, entre senhoras e homens, vinte e seis pessoas.

Coube a Harry a glória de ficar entre D. Gigi, que lhe dera a honra de aceitar seu braço direito, e uma jovem de quinze anos, cuja cintura se podia abarcar completamente com as mãos. Um velho alemão ficava à esquerda dela e, sem vaidade, podia Harry afirmar que D. Ellie prestava mais atenção a ele que aos joão-ninguém, que, também, a falar a verdade, por seu turno mais se importava com o copo do que com a moça.

D. Gigi conversa sofrível e sentimentalmente: é meiga, terna, casta, e mostra ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela se dispusesse, não exitaria de classificá-la entre as sonsas.

D. Ellie pertencia, decididamente, a outro gênero: o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo nos lábios, como o copo de vinho nos do alemão.

D. Ellie é uma sátira interminável; não poupa a melhor de suas camaradas; sua vivacidade e espírito se empregam sempre em descobrir e patentear nas outras as melhores brechas, para abatê-las na opinião dos homens com quem pratica.

Durante as primeiras cobertas ela dissertou maravilhosamente acerca de suas companheiras. Maliciosa e picante, lançou sobre elas o ridículo, que manejava, e os sorrisos de Harry, que com destreza desafiava. As únicas que lhe haviam escapado eram D. Gigi, provavelmente por ficar-lhe muito vizinha, e o irmão de Niall, que estava defronte ou, como é moda dizer - vis-à-vis.

Harry quis provocar os tiros de D. Ellie contra aquele menino impertinente que tão pouco lhe agradava.

- E que pensa V. S.ª deste jovem senhor que está defronte de nós? – Perguntou ele com voz baixa.

- Quem?... O Moreninho? – Respondeu ela no mesmo tom.

- Falo do irmão de Niall, minha senhora.

- Sim... todas nós gostamos de chamá-lo Moreninho. Esse...

- Acabe D. Ellie – Disse o irmão de Niall, que, fingindo antes não prestar atenção ao que conversavam os dois, acabava de fixar de repente na terrível cronista dois olhares penetrantes e irresistíveis.

Parecia que uma luta interessante ia ter lugar; os dois adversários mostravam-se ambos fortes e decididos, porém D. Ellie para logo recuou; e, como querendo não passar por vencida, sorriu-se maliciosamente e, apontando para o Moreninho, disse, afetando um acento gracejador:

- Ele é travesso como o beija-flor, inocente como uma boneca, faceiro como o pavão, e curioso como... uma mulher.

- Sim. – Tornou-lhe Louis – Preciso é que os ouvidos estejam bem abertos e a atenção bem apurada, quando se está defronte de uma moça como D. Ellie, que sempre tem coisas tão engraçadas e tão inocentes para dizer!... Oh! minha camarada, juro-lhe que ninguém lhe iguala na habilidade de compor um mapa!

- Mas... Louis ... você se irritou?

- Oh! não, não – Continuou o menino, com picante ironia. – Porém, é fato que nenhum de nós gosta de ser ofuscado com o esplendor do outro. Já basta de brilhar, D. Ellie; o Sr. Harry deve estar tão enfeitiçado com o seu espírito e talento, que decerto não poderá toda esta tarde e noite olhar para outras, sem compaixão ou desgosto; portanto, já basta... se não por si, ao menos por nós.

A cronista fez-se cor de nácar e o seu adversário, imitando-a na malícia do sorriso e no acento gracejador, prosseguiu ainda:

- Mas ninguém conclua daqui que, por ofuscado, perco eu o amor que tinha ao astro que me ofuscou. Bela rosa do jardim! Teus espinhos feriram a borboleta, mas nem por isso deixarás de ser beijado por ela!

O moreninho - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora