XXI - Segundo Domingo: Brincando com Bonecas

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Raiou o belo dia, que seguiu a sete outros, passados entre sonhos, saudades de esperanças. Harry está viajando: já não é mais aquele rapaz cheio de dúvidas e temores da semana passada, é um amante que acredita ser amado e que vai, radiante de esperanças, levar à seu belo mestre a lição de marca que lhe foi passada.

O prognóstico de Sr. Louis, na gruta encantada, se vai verificando: Harry está completamente esquecido da aposta que fez e do relicário que outrora deu ao seu esposo. Um bonito rosto moreninho fez olvidar todos esses episódios da vida do estudante. Sr. Louis triunfa e seu orgulho de despotazinha de quantos corações conhece deveria estar altaneiro, se ele não amasse também.

Como da primeira vez, Harry vê o dia amanhecer-lhe no mar; e, como na passada viagem, avista sobre o rochedo o objeto branco, que vai crescendo mais e mais, à medida que seu barco se aproxima, até que distintamente conhece nele a elegante figura de um menino, belo por força; mas desta vez, não como da outra, essa figura se demora sobre o rochedo, não desaparece como um sonho, é uma bonita realidade, é Sr. Louis que só desce dele para ir receber o feliz estudante que acaba de desembarcar.

- Meu belo mestre!

- Meu aprendiz! Já sei que traz nome bem marcado.

- Oh! Sempre precisarei que me queira puxar as orelhas.

- Não, eu não farei tal na lição de hoje.

- E se eu merecer?

- Talvez.

- Então errarei toda a lição.

Eles se sorriram, mas Niall acaba de chegar e todos três vão pela avenida se dirigindo a casa.

Ter a ventura de receber o braço de um moço bonito e a quem se ama, apreciar sobre si o doce contato de uma bem torneada mão, que tantas noites se tem sonhado beijar; roçar às vezes com o cotovelo um lugar sagrado, voluptuoso e palpitante; sentir sob sua face perfumado bafo que se esvaiu dentre os lábios virginais e nacarados, cujo sorrir se considera um favor do céu; o apanhar o leque que escapa da mão que estremeceu, tudo isso... mas para que divagações? Que rapaz há aí, de dezesseis anos por diante, que não tenha experimentado esses doces enleios, tão leves para a reflexão e tão graves e apreciáveis para a imaginação de quem ama? Pois bem, Harry os está gozando neste momento; mas, porque só a ele é isto de grande entidade, e convém dizer apenas o que absolutamente se faz preciso, pode-se, sem inconveniente, abreviar toda a história de duas horas, dizendo-se: almoçaram e chegou a hora da lição.

- Vamos. – Disse Sr. Louis a Harry, que estava já sentado a seus pés e em sua banquinha. – Vamos, meu aprendiz, o senhor comprometeu-se a trazer-me um nome marcado pela sua mão; que nome marcou?

- Entendi que devia ser o nome de meu belo mestre.

Ele não esperava outra resposta.

- Vamos, pois, ver a sua obra. – Continuou. – E creia que estou pouco disposto a perdoar-lhe, como fiz na lição passada. Venha a marca.

Harry apresentou então um finíssimo lenço aos olhos de seu belo mestre, que teve de ler em cada ângulo dele o nome Louis e no centro o dístico Meu belo mestre. Tudo estava primorosamente trabalhado; preciso é confessar: o aprendiz havia marcado melhor do que nunca o tivera feito Sr. Louis.

Harry esperava com ansiedade ver brilhar nos olhos de seu bonito querido o prazer da gratidão; fruía já de antemão o terno agradecimento com que contava, quando viu, com espanto, que seu belo mestre ia gradualmente corando e por fim se fez vermelho de cólera e de despeito.

- Nunca a sua mão grosseira de homem poderia marcar assim! – Disse ele a custo.

- Mas, meu belo mestre...

O moreninho - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora