Se houve alguém que quisesse servir a D. Gigi ou se foi ela mesma quem pôs a carta anônima no bolso da jaqueta de Harry, é coisa que pouco interesse dá; o certo é que o estudante, indo tirar o lenço para assoar-se, achou o interessante escritinho; então correu logo para um lugar solitário, e só depois de devorar o convite sem assinatura foi que lembrou-se que ainda não se havia assoado e que o pingo estava cai não cai na ponta do nariz; enfim, ainda com o lenço acudiu a tempo, e depois entendeu que, para melhor decidir o que lhe cumpria fazer naquela conjuntura, deveria avivar o cérebro, sorvendo uma boa pitada de rapé. Portanto, lançou a mão ao segundo bolso de sua jaqueta, e eis que lhe sai com a caixa do bom Mistério um outro escritinho como o primeiro.
- Bravo! – Exclamou o nosso estudante. – Temíveis mãozinhas seriam estas, se se dessem ao exercício não de encher, mas de vazar as algibeiras da gente.
E sem mais dizer, abriu e leu o escrito.
"Senhor: - Uma pessoa, que quer interessar-se por vós, entende dever prevenir-vos que no banco de relva da gruta não achareis ao amanhecer uma incógnita, porém sim conhecidas, que pretendem zombar de vós, porque esta mesma noite jurastes amar a cada uma delas em particular. Não procureis adivinhar quem vos escreve, porque, serei por agora - Uma incógnita"
- Muito bonito! Muito bonito! – Disse Harry beijando o bilhete. – Estou exatamente representando um papel de romance! Mas quem sabe se ainda acharei mais cartas?
E nisto pensando, foi correndo um por um todos os bolsos dos seus vestidos, sem esquecer o do relógio, e até passou os dedos por sua basta cabeleira, presumindo que talvez introduzissem algum no enorme canudo de cabelo que lhe escondia as orelhas.
Porém, nada mais havia; também duas cartas tão curiosas já eram de sobra em uma só noite.
O estudante pensou no conteúdo de ambas e ainda reflexionava se lhe cumpria fugir ou aceitar um certame com quatro moças, que ele adivinha quais eram, quando a primeira rosa da aurora se desabriu no horizonte. Harry correu para a gruta encantada.
Chegando ao pé, foi de mansinho se aproximando, sentiu o rumor e ouviu que alguém dizia em tom baixo:
- Oh! Se ele vier!
- Ei-lo aqui, minhas belas senhoras. – Exclamou o estudante, que entendeu não lhes dever nunca dar tempo a tomar a ofensiva. – Eis-me aqui!
As moças, que estavam todas sentadinhas no banco de relva, como quatro pombas-rolas enfiladas no mesmo galho, ergueram-se sobressaltadas ao ver entrar inopinadamente o estudante; era isso mesmo o que ele queria, pois continuou:
- As senhoras veem que acudi de pronto ao honroso convite e que me entusiasmo vendo quatro auroras, em lugar de uma só! Belo amanhecer é este, sem dúvida... mas, exposto ao fogo abrasador de oito olhos brilhantes... eu me sinto arder... juro que tenho sede... Eis ali uma fonte... Mas, meu Deus, é a fonte encantada que descobre os segredos de quem está conosco!... Bem! Bem! Melhor... uma gota desta linfa de fadas!
- O que é que ele está dizendo, mana? – Exclamou D. Gigi, apontando para Harry, que tinha entre os lábios o copo de prata.
- É preciso decidir-nos a começar. – Disse D. Gabriela.
- Principie você. – Disse D. Sophia.
- Eu não, comece você...
- Eu não, que sou a mais moça...
Então o estudante, que tinha acabado de esgotar o seu copo d'água, voltou-se para elas, e dando a seu rosto uma expressão animada e às suas palavras estudado acento:
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O moreninho - l.s
RomanceHarry era um jovem namorador e inconstante no amor. Depois passar alguns dias na ilha de Paquetá, seu coração poderá passar a ter apenas um dono. Adaptação do livro: A moreninha de Joaquim Manuel de Macedo.