XIV - Banho para os pés sentimental

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Ria-se, jogava-se, brincava-se. Todos se haviam já esquecido da pobre Paula. Na verdade também que, por ter a ama de Sr. Louis tomado seu copo de vinho de mais, não era justo que tantas moças e moços, em boa disposição de brincar, e umas poucas de velhas determinadas a maçar meio mundo, ficassem a noite inteira pensando na bebedeira da moça. E além disso, quatro semi-doutores já haviam pronunciado favorável diagnóstico; como, pois, se arrojaria Paula a morrer, contra a ordem expressa dos quatro hipocratíssimos senhores?

Era por isso que todos brincavam alegremente, menos o Sr. Keblerc que, diante de meia dúzia de garrafas vazias, roncava prodigiosamente; grande alemão para roncar! Era uma escala inteira que ele solfejava com bemóis, bequadros e sustenidos! Dir-se-ia que entoava um hino... a Dioniso.

Os rapazes estavam nos seus gerais; a princípio, como é seu velho costume, haviam festejado, cumprimentado e aplaudido as senhoras idosas que se achavam na sala, principalmente aquelas que tinham trazido consigo moças; mas, passada meia hora, adeus etiquetas e cerimônias!

Estabeleceu-se um cordão sanitário entre a velhice e a mocidade; a Sra. D. Ana achou a ocasião oportuna para ir dar ordens ao chá, D. Violante ocupou-se em desenvolver a um velho roceiro os meios mais adequados para se preencher o defict provável do Brasil para o ano financeiro de 44 a 45, sem aumentar os direitos de importação, nem criar impostos, abolindo-se, pelo contrário, a décima urbana. Já se vê que D. Violante tinha casas na cidade.

Restavam quatro senhoras, que julgaram a propósito jogar o embarque, que na verdade as divertia muito, como o episódio do ás galar o sete; havia, enfim, outra mesa em que alguns senhores, viúvos, casados e velhos pais perdiam ou ganhavam dinheiro no écarté, jugo muito bonito e muito variado, que nos vieram ensinar os senhores franceses, grandes inventores, sem dúvida!

A rapaziada empregava melhor o seu tempo: também jogava, mas na sua roda não havia nem mesa, nem cartas, nem dados. O seu jogo tinha diretor que, exceção de regra entre os mais, não podia ter menos de cinquenta anos. Era um homem de estatura muito menos que ordinária, tinha o rosto muito vermelho, cabelos e barbas ruivas, gordo, de pernas arqueadas, ajuntava ao ridículo de sua figura muito espírito; não estava bem senão entre rapazes, por felicidade deles sempre se encontra desses.

Tal o diretor da roda dos moços. O Sr. Batista (este é o seu nome) era fértil em jogos; quando um aborrecia, vinha logo outro melhor. Já se havia jogado o do toucador e o do enfermo. O terceiro agradou tanto, que se repetia pela duodécima vez, com aplauso geral, principalmente das moças: era, sem mais nem menos, o jogo da palhinha.

Caso célebre! Já se viu que coincidência! Ora expliquem, se são capazes. Tem-se jogado a palhinha doze vezes e em todas as doze tem a sorte feito com que Niall abrace D. Ellie e Liam D. Sophia! E sempre, no fim de cada jogo, qualquer das duas recua um passo, como se pouca vontade houvesse nelas de dar o abraço, e fazendo-se coradinha, exclama:

- Quantos abraços! Pois outra vez?

- Eu já não dei inda agora? Ora isto!

Entre os rapazes, porém, há um que não está absolutamente satisfeito: é Harry. Será por que no tal jogo da palhinha tem por vezes ficado viúvo? Não! Ele esperava isso como castigo de sua inconstância. A causa é outra: a alma da ilha não está na sala! Harry vê o jogo ir indo o seu caminho muito em ordem; não se rasgou ainda nenhum lenço, Niall ainda não gritou com a dor de nenhum beliscão, tudo se faz em regra e muito direito; o travesso, o inquieto, o buliçoso, o tentaçãozinho não está aí; Sr. Louis está ausente!

Com efeito, Harry, sem amar Sr. Louis (ele assim o pensa), já faz dele ideia absolutamente diversa da que fazia ainda há poucas horas. Agora, segundo ele, o interessante Moreninho é, na verdade, travesso, mas a cada travessura ajunta tanta graça, que tudo se lhe perdoa. Sr. Louis é o prazer em ebulição; se é inquieto e buliçoso, está em sê-lo a sua maior graça; aquele rosto moreno, vivo e delicado, aquele corpinho, ligeiro como abelha, perderia metade de que vale, se não estivesse em contínua agitação. O beija-flor nunca se mostra tão belo como quando se pendura na mais tênue flor e voeja nos ares; Sr. Louis é um beija-flor completo.

O moreninho - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora