XIX - Entremos nos corações

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O que é bom dura pouco.

As festas estão acabadas; nossas belas conhecidas bordam; nossos alegres estudantes estão de livro na mão. Mas, pelo que toca a estes, qual é, digam-me, qual é o estudante que, depois de uma patuscada de tom, não fica por oito dias incapaz de compreender a mais insignificante lição?

Isto sucede assim; essa pobre gente vê, por toda a parte, e misturando-se com todos os pensamentos, no livro em que estuda, nas estampas que observa, na dissertação que escreve, o baile, as moças e os prazeres que apreciou.

O nosso Harry, por exemplo, está agora bronco para as lições e impertinente com tudo. Josh é quem paga o pato; se o inocente moleque lhe apronta o chá muito cedo, apanha meia dúzia de bolos, porque quer ir vadiar pelas ruas; se no dia seguinte se demora só dez minutos, leva dois pescoções, para andar mais ligeiro. Não há, enfim, coisa alguma que possa contentar o Sr. Harry; está aborrecido da Medicina, tem feito duas gazetas na aula; de ministerial que era, passou-se para a oposição; não quer mais ser assinante de periódicos, não há para seus olhos lugar nenhum bonito no mundo; aborrece a Corte, detesta a roça e só gosta das ilhas.

Deveremos fazer-lhe uma visita; ele está em seu gabinete e um pouco menos carrancudo, porque Zayn, o seu amigo do coração, o acompanha e tem a paciência de lhe estar ouvindo, pela duodécima vez, a narração do que com ele se passou na ilha de Paquetá.

Segundo parece, Harry acaba de relatar o que ocorreu na gruta, entre ele e o belo Moreninho, porque Zayn lhe perguntou:

- E por onde fugiria ele?

- Por uma difícil saída que eu não havia observado. – Respondeu Harry. – E que exatamente se praticava no fundo da gruta.

- Que diabinho de menino!

- Quanto mais se tu notasses a graça e malícia com que ele, quando eu entrei na sala, me perguntou sossegadamente: "Esteve dormindo na gruta, Sr. Harry?..."

- Então ele gostou da tua semideclaração?!

- Não... Não... Se ele tivesse gostado, não me fugiria.

- Ora, é boa! Não devia fazer outra coisa.

- Se ele gostasse de mim... Mas, por que me não deu um só sinal de ternura? Também eu, às vezes, tão adiantado, fui desta um tolo, um basbaque! Tremi diante de uma criança que não tem quinze anos e não soube dizer duas palavras.

- Estás doido, Harry, e doido varrido; acredita que Sr. Louis foi mais sensível aos teus cumprimentos que aos de nenhum outro, e se não, dize por que se não deixou ele dormir, como as outras senhoras, e foi à hora de tua partida passear pela praia e ver-te embarcar? Por que ficou ali passeando até desaparecer o teu barco?

- Isto não significa nada.

- Ora, ature-se um namorado! Mas venha cá, Sr. Harry, então como é isso? Estamos realmente apaixonados?!

- Quem te disse semelhante asneira?

- Há três dias que não falas senão no irmão de Niall e...

- Ora, viva! Quero divertir-me... digo-te que o acho feio, não é lá essas coisas; parece ter mau gênio. Realmente notei-lhe muitos defeitos... Sim, mas, às vezes... Olha, Zayn, quando ele fala ou mesmo quando está calado, ainda melhor; quando ele dança ou mesmo quando está sentado... Ah! Ele rindo-se e até mesmo sério... Quando ele canta ou toca ou brinca ou corre, com os cabelos sobre a testa; quando... Para que dizer mais? Sempre, Zayn, sempre ele é belo, formoso, encantador, angelical!

- Então, que história é essa? Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamaste feio?

- Pois eu disse que ele era feio? É verdade que eu... no princípio... Mas depois... Ora! Estou com dores de cabeça, este maldito Velpeau! Que lição temos amanhã?

O moreninho - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora