VIII - Harry prosseguindo

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A avó de Niall quis tomar, por sua vez, a palavra; porém, o estudante lhe fez ver que ainda muito faltava para o fim de suas histórias, e voltando de novo ao seu lugar, continuou:

- O acontecimento que acabo de relatar, minha senhora, produziu vivíssima impressão no meu espírito; ajudado por minha memória de menino de treze anos, apenas entrei em casa escrevi, palavra por palavra, quanto me havia acontecido. Isto me tirou o trabalho de mentir, porque, adormecendo sobre o papel que acabava de escrever, meu pai o leu à sua vontade e soube o destino do camafeu, sem precisar que eu lhe dissesse. Ele ainda estava junto de mim quando despertei, exclamando: o meu relicários... O velho... meu esposo.

- Anda, doidinho – Disse-me meu pai com bondade – Eu te perdoo tuas novas loucuras, em louvor da ação que praticaste, socorrendo um velho enfermo; agora, guarda, eu te peço, e mesmo te mando; guarda melhor esse relicário do que guardaste o camafeu.

E isto dizendo, deixou-me.

Não se falou mais nesse acontecimento; soube que o velho morrera no dia seguinte e que no momento da agonia abençoara de novo o meu camarada e a mim.

Meu pai fez todas as despesas do enterro do velho e socorreu sua desgraçada família.

Eu nunca mais vi, nem soube notícia alguma de meu interessante camarada, mas nem por isso o esqueci, minha senhora... porque, ou seja que meu coração o tivesse amado deveras, ou que esse relicário tivesse em si alguma coisa de encantador, o certo é que eu ainda hoje me lembro com saudade dessa criança tão travessa, porém tão bela. Sem saber seu nome, pois nem lhe perguntei, nem ele me disse, quando quero falar a seu respeito, digo: meu esposo! Riem-se? não me importa: eu não posso dizer de outro modo.

Sempre com sua imagem na minh'alma, com seu engraçado sorriso diante de meus olhos, com suas sonoras palavras soando a meus ouvidos, passei cinco anos pensando nele de dia, e com ele sonhando de noite; era uma loucura, mas que havia eu de fazer? Cheguei assim aos meus dezoito anos.

Eu já era, pois, rapaz. Meus pais nada poupavam para me educar convenientemente: aprendia quanto me vinha à cabeça: diziam que minha voz era sonora, e por tal convidavam-me para cantar em elegantes sociedades; julgavam que eu dançava com graça e lá ia eu para os bailes; finalmente, como cheguei a fazer algumas quadras, pediam-me para recitar sonetos em dias de anos, e assim introduziram-me em mil reuniões, onde as belezas formigavam e os amores eram dardejados por brilhantes olhos de todas as cores.

Além disto frequentava as casas de meus companheiros de estudos e os ouvia contar proezas de paixões, triunfos e derrotas amorosas. Meu amor-próprio se despertou; tive vontade de amar e ser amado.

Julguei esta minha determinação ainda mais justa, pois tendo ido passear certas férias na roça, e lá falando mil vezes no meu relicário e em meu esposo, ouvi a minha mãe dizer uma vez, em que me julgava longe:

- Temo que esse relicário tire o juízo àquele menino: talvez que nos seja preciso casá- lo cedo.

Portanto, para não ouvir somente, mas também para contar alguma vitória de amor, para não endoidecer por causa do relicário e, finalmente, para não ser necessário à minha mãe casar-me cedo, determinei-me a amar.

- Esqueceu-se, por consequência, de seu esposo e do seu relicário?! – Perguntou a Sra. D. Ana, interrompendo Harry.

- Ao contrário, minha senhora. – Tornou este – Foi essa minha resolução que me tornou mais firme e mais amante de meu esposo.

- Não sei. – Continuou Harry – Que teve o amor comigo, para entender que todas as moças e rapazes deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora? Pois foi isso mesmo o que me sucedeu no decurso de minhas paixões. Eu resumo algumas.

O moreninho - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora