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-Você já deveria estar dormindo. -Gustavo fala.

Estamos conversando pelo Skype a horas, e, por algum motivo desconhecido, não quero desligar.

-E você deveria ser menos chato. -Murmuro. -Amanhã começa a feira. Cristina falou tanto. Acho que vamos sair para fazer compras ou algo mais divertido. É sábado. Me dá um desconto e fica mais um pouco comigo.

-Desse jeito, não há quem resista. -Ele se ajeita na cadeira, do outro lado da tela -e do país. -Mas, me conta, você anda pensando naquilo que eu te falei?

Me sinto incomoda, mas a verdade é que eu penso. Penso bastante!

-Sim. Acho que... -Faço uma pausa. Quando eu voltar, tudo o que aconteceu aqui não vai passar de lembrança. Na verdade o que aconteceu? Brigas? Sim. Gustavo é a minha escolha mais certa, no momento. -Eu acho que é bem provável que possamos engajar uma relação. Nós nos conhecemos a tanto tempo. Mas eu prefiro falar isso pessoalmente com você.

Gustavo sorri.

-Isso é ótimo, Leninha. Eu... Eu estou sem palavras. Eu pensei que você ia pedir mais tempo, e eu daria mais tempo, mas ouvir você dizer que está inclinando pro "sim", me deixa muito contente.

Sorrio. Eu sempre fico feliz quando o vejo. Talvez... Talvez ele realmente seja o meu "par perfeito".

*

Madrugada. Barulhos no corredor. Um resmungo em seguida... Alguma coisa está errada.

Me levanto e vou até a porta. Abro e, mesmo com a falta de luz, vejo a silhueta se escorando pela parede. Se arrastando como se não pudesse se manter em pé. Henrique!

Corro até ele e, ao me aproximar, sinto o cheiro forte de álcool. Ele bebeu. Bebeu muito.

-Henrique. -Toco seu rosto. -Você está me ouvindo? Olhe para mim! Você está bêbado. O que houve?

-Ai! Me larga. Saco você, hein! -Ele resmunga enrolado.

Ele me afasta e eu não protesto. Olho para ele, confusa e aflita.

-Saco é você. -Resmungo.

-Me esquece. Que saco. Você só sabe brigar comigo. -Ele diz. -"Henrique não faça isso. Henrique não faça aquilo". Você não é minha mãe. Nem minha mulher para mandar em mim.

Olho para ele. Queria dizer que estava com raiva, mas simplesmente eu decidi que isso não iria me atingir.

-Tem razão. Não sou nada para você. -Digo gravemente.

Ele fica surpreso.

-Espera... Não é que você não seja nada...

-Quer saber, cansei. -Jogo os braços pro alto.  -Você parece um moleque as vezes. Só consegue brigar, quando não, bebe! Você ainda acha que tem dezessete anos? -Ralho e me viro. -E... -Volto a olha-lo. Será que devo dizer? Creio que sim. -Eu estou... Estou acabando aqui... Seja o que for que nós tivemos. Ou nada! Eu... Eu estou vendo avanços nos seus avós. No mínimo, em quinze dias estou partindo. E eu vou firmar meu relacionamento com... Com meu colega de trabalho e amigo: Gustavo!

Henrique me olha surpreso. Ele abre a boca e a fecha. Decido seguir meu caminho e entro no quarto. Fecho a tranca e desço. Porque isso dói? Parece que meu coração foi mergulhado em lava!

Mas é melhor assim. Ele não vai mudar, e eu não vou me adaptar a ele. É preciso dar um basta antes que as coisas fiquem realmente complicadas.

*

A mesa de café da manhã dos Velascos  está bem barulhenta. Um a um eles se servem. Conversam e conseguem se entender. Olho para Henrique. Ele não tocou na comida. Não falou nada. Não olhou para ninguém.

Sinto um peso na consciência, mas procuro me focar em Cristina.

-Vamos até a cidade, assim que terminamos. Você tem roupa country?

Balanço a cabeça negativamente, já que minha boca estava cheia.

-Que bom que você tem à mim. -Ela diz. Sorrindo. Olha para Henrique. -E você, irmãozinho? Quer nos acompanhar?

Ele olha para ela, em seguida para mim, e novamente para ela.

-Tenho compromisso. Desculpe. -Ele diz, deixando ela surpresa e a mim também.

Henrique se levanta e afasta a cadeira.

-Com licença a todos. Eu preciso me retirar.

Ele sai da sala.

-Esse era o Henrique?  -Sabrina pergunta com deboche.

É, sua piranha masoquista! -Penso. -Ele é educado quando quer.

-Parece bem diferente. -Marina, a tia malvada, eu percebi, fala com ar de superioridade.

Ah, falou a "Senhora Educação". -Comento mentalmente.

-Helena. Vamos? -Cristina me chama, limpando a boca.

-Sim. Vamos. -Respondo, me levantando.

-Aonde vão? -Sabrina pergunta.

-Ao shopping. -Cristina responde. -Vamos fazer algumas compras. Nos acompanha?

Não! Não! Não! Não!

-Claro. Vou pegar minha bolsa.

Maravilha!

*

-Essa bolsa está tão clichê. Em Paris, a última tendência é desfiado-cruzado. -Sabrina fala. -Você deveriam ver. Souberam que fui convidada para o lançamento da coleção? Exatamente...

Já estamos há um bom tempo andando pelo shopping e, basicamente, tudo o que ela viu até agora não é nada comparado às coisas que ela ja viu pelo mundo.

Olho para Cristina e sei que ela se arrependeu amargamente se ter convidado-a.

-Se nós nos escondemos e esperamos ela ir ia pegar mal? -Cristina pergunta.

Gargalho.

-Vamos tentar. -Dou de ombros.

-Ei!-Sabrina retruca. -Vocês estão de segredinho, é isso?

-Imagina. -Cristina se apressa. -Apenas falávamos que íamos ao banheiro.

-Quer vir conosco? -Pergunto.

Sabrina faz uma careta.

-Deus me livre! Do jeito que anda esse lugar, não quero nem ver a situação do banheiro. Vão vocês, eu espero aqui. -Ela nos dispensa.

Olho para Cristina e o olho dela brilha com a possibilidade de nos livrarmos dela.

Damos as costas e caminhamos até sumir, então pegamos a escada rolante e descemos por um caminho que, provavelmente, Sabrina jamais pegaria!

-Essa foi ótima. -Digo.

-Ela já estava me deixando frustada. -Cristina suspira. -Já que a despistamos, vamos ver se encontramos sua roupa. Será mais agradável agora.

Sorrio e assinto. Entramos em uma loja de roupas típicas. Comprei a nota de couro que eu, provavelmente, usaria em todos os dias, mas consegui uma saia jeans, que Cristina disse que ficaria linda em mim. Uma variedade se blusas quadriculadas e, embora ela tenha tentado me convencer a comprar um chapéu, eu recusei. Estava com boas idéias para penteados e o chapéu estragaria todos.

-Chega! -Peço. -Acho que é o suficiente. Podemos ir.

Ela assente.

Saímos das boutiques, cheias de sacolas.

-Isso é para a semana toda. -Cristina diz ao avaliar o conteúdo da sua sacola.

-Será que Sabrina ainda está nos esperando?

-Creio que não. Ela é muito fresca para esperar.

-Ah. -Digo.

Então era assim? Que família diversificada!

-Helena, você gostaria de comer antes de voltarmos?

-Acho que sim.

-Então, melhor irmos logo.

IndomavelmenteOnde histórias criam vida. Descubra agora