Capítulo 2- Nadar e Nadar

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"Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós"

        (Franz Kafka)

Ricco

Como uma coisa que amamos pode nos impedir de fazer outra que é o motivo da nossa existência?

Eu amo andar na minha moto. Não sei se é pela velocidade, ou singularidade talvez a adrenalina. Só sei que quando estou nela, me sinto invencível. É como se estivesse voando. As pessoas, os lugares, tudo, passa por mim tão rápido, eles estão em segundo plano. Todo o planeta está em câmera lenta. E essa é a segunda melhor sensação do mundo.

Apenas nadar ofusca meu fascínio pela moto. Estar na piscina fazendo o que eu mais amo, é a melhor sensação do mundo. Quando estou mergulhando sinto toda a paz que não sinto aqui fora. Nadar é como se fosse minha droga, sou totalmente viciado nas sensações de estar submerso.

Dizem que o amor causa um efeito parecido, mas eu não posso falar por experiência. O único relacionamento que tive e tenho, sempre foi com a piscina. E pretendo continuar assim pelo resto da vida. Cada braçada que dou rumo à vitória, cada recorde mundial que bati; cada medalha que conquistei, tudo isso faz de mim um maldito fissurado.

Mas por causa de um acidente de moto que sofri há dois ano na Espanha, quebrei meu braço. Pronto o circo foi armado na imprensa. Eu estava com vinte e cinco anos e todos disseram que minha carreira como nadador profissional havia sido encerrada. 

O mais engraçado é que os jornalistas faziam matéria atrás de matéria, elogiando meu desempenho, ovacionando com o público em cada vitória, aqueles que se emocionaram e choraram na TV com minhas vitórias são os mesmos que disseram as piores coisas ao meu respeito. Eu cheguei a ler uma vez que "sou um caso perdido", apenas um "bêbado que não tem disciplina" e sou uma "vergonha para a equipe de natação espanhola", "deveria refugiar-me em outro país, e implorar para dar aulinhas de natação".

Isso é muito fodido. Para dizer o mínimo.

Eu não pedi a ninguém para tornar-me um herói das águas ou a porra de um tesouro nacional e muito menos braços de ouro. Essas foram algumas das manchetes que os oportunistas puseram nas capas de revistas, jornais, sites... Naquela época eu tinha "o mundo aos meus pés". Hoje dizem que sou um alcoólatra, revoltado.

Vazou uma notícia que eu havia bebido no dia do acidente. E a puta mentirosa que poderia testemunhar ao meu favor, foi comprada pelo verdadeiro responsável. Como se não fosse suficiente, a cadela louca disse que tentei usar minha fama, status e dinheiro para ela mentir e dizer que eu era inocente.

Mentira.

Essa doença que atinge o mundo. E parece uma característica feminina. Eu detesto mentiras. Isso parece tirar-me do meu corpo e outra pessoa assume. Fico cego de raiva.

A culpa não foi minha, eu bebi? Sim, mas não muito e estava consciente. Eu pilotava rápido? Sim novamente, mas eram três da manhã, não tinha uma alma viva onde eu estava. Até que peguei a estrada principal para chegar a minha casa. De repente surge uma pick up ranger preta, em alta velocidade e com dois idiotas muito bêbados, eles começaram a me fechar e até abriram a porta do carona para que eu batesse. Eu obviamente desviei, e foi aí que atropelei uma pessoa. A cadela mentirosa, claro.

Nesse momento caí, quebrei o braço, e o resto é história. Ainda perdi meu patrocínio por causa da porra de uma cláusula que diz que os atletas não podem "se pôr em risco", como praticar esportes radicais, o que eu fazia muito bem escondido.

Ele Vai Ser MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora