Traidor

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   A primeira impressão de Tomás, obtida por Léo ainda dentro do Centro de Pesquisas, era de um garoto carrancudo e mal humorado, que não se importava em ser sociável com mais ninguém além de seu amigo, Tiago.  Porém, com o tempo, Léo percebeu que o rapaz era, na verdade, egoísta; estava preocupado apenas em se manter salvo e, para isso, não importava em qual lado estaria. Mas acima de tudo, o loiro jamais achou que o menino lagarto fosse capaz de se juntar aos blacks para capturar seus próprios semelhantes. Estava enganado.

   Para Léo, Tomás era uma incógnita. Seus olhos, negros como a imensidão do espaço, refletiam muito de sua personalidade. Era difícil desvendar o que o garoto pensava, ou qual seriam seus próximos passos, e isso intimidava qualquer um que precisasse confiá-lo informações tão importantes quanto o plano para derrotar os blacks. Talvez, pensou Léo, não devesse confiar. Talvez fosse mais prudente acabar com o garoto ali, enquanto tinha a chance.

   Era nisso que a fera pensava enquanto permanecia parada, com o rapaz prensado na parede da sala de Pedro e com suas garras suplicando para que pudessem sentir o quão macio seria romper a musculatura da garganta de sua vítima. Tomás permanecia fitando os olhos amarelos do animal, como se isso fosse convencê-lo de sua lealdade. Porém, olhar para os dois buracos negros que o garoto chamava de íris só aumentava ainda mais a desconfiança de Léo. Os fios de cabelo escorridos do garoto se moviam freneticamente com a respiração da fera, que mantinha sua face e a de sua vítima bastante próximas uma da outra. O rosto de Tomás estava corado em consequência da escassez de ar que sentia. Mesmo ainda que conseguisse respirar, fazia-o com dificuldade.

   A criatura poderia ficar durante um bom tempo daquela forma, desfrutando do prazer em ver o sofrimento do rapaz. Porém os passos de Camila, que vinha como um trem bala na direção dos dois, fizeram com que o animal perdesse o foco e afrouxasse o punho.

   — Léo, solta ele — ordenou ela, como se conversasse diretamente com Léo e não com sua forma transformada. O felino a fitou, deixando escapar um leve rosnado, enraivecido. Mas a garota não se deixou intimidar, voltando a falar com um tom ainda mais alto e autoritário: — Solta ele, anda!

   Voltando a observar Tomás, o animal cogitou a possibilidade de não acatar às ordens da menina. Porém, não podia negar que havia uma pequena chama de curiosidade queimando em sua cabeça. Léo não podia ignorar o fato de que se Tomás estivesse realmente mentindo, os blacks já teriam aparecido para acudi-lo. Além disso, o garoto talvez fosse a única saída para chegar até Amélia.

   A fera o soltou e, quase que no mesmo instante, pôs-se a retornar ao estado humano. Léo continuava furioso, com os olhos vermelhos e a fronte enrugada de nervosismo. Olhou para Tomás, que se recompunha e tomava o fôlego que havia sido tirado à força de si, e depois olhou para Camila, sério, como se insinuasse que seria de total responsabilidade da garota as coisas que se sucedessem a partir daquele momento. O silêncio imperou, todos afoitos em saber o que aquela situação significava.

   Léo andou novamente para o centro da sala, aproximando-se dos sofás sem dizer sequer um a. Suas roupas já não eram as mesmas dantes da transformação; haviam se tornado trapos, como sempre acontecia quando seu lado selvagem emergia. Entretanto, sequer se importou com o estado das vestes. Tinha coisas mais importantes para resolver naquele momento.

   — Eu sei que não mereço a confiança de vocês, — Tomás interrompeu o silêncio que se formara. — mas eu tô aqui pra ajudar de verdade — completou, com seu tom de voz centrado.

   Léo riu ironicamente:

   — Eu só me pergunto por qual motivo o senhor estaria tão bondoso… — ele alfinetou, sarcástico, enquanto recomeçava a perambulação pelo cômodo.  — Arriscando a sua própria pele por nós? Tenho que admitir que isso é muita generosidade… — Léo parou e olhou para o garoto, que permanecia plantado próximo a parede onde a fera o encostara. — Generosidade até demais.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora