— Eu sinceramente espero que os senhores tenham lido A Carta de Caminha, como eu pedi.
Léo fechou os olhos enquanto a Senhora Bernadete respondia à exercícios do livro. Permaneceu com eles fechados durante um bom tempo, vagando em seus pensamentos. Estava com sono; acordar cedo nunca tinha sido uma de suas coisas favoritas e as noites após o sequestro não estavam sendo das melhores. Dali, sentado na penúltima cadeira da fila de alunos ao lado da parede, conseguia ouvir a voz de sua professora de português como uma música de fundo, além de também escutar os ruídos de seus colegas. De início, tentou dar atenção à aula mesmo com os olhos fechados, porém naquele momento o que realmente desejava era apenas uma boa soneca. Agradeceu por estar na última aula daquele dia.
Na tarde do dia anterior, após conversar com Camila e Mônica na casa de Pedro, e após Pedro terminar a tarefa de limpar o quintal — o que demorou mais de uma hora e meia —, Léo foi para casa. A noite não fora animada; tomara um banho demorado e comera um yakisoba junto a sua mãe, enquanto assistiam a novela das nove horas. Ela não havia engolido a história que ele e seus amigos tinham contado, conseguia perceber que algo mudara em seu filho, e Léo percebia que ela estava inquieta nas últimas semanas. Mas não chegava a perguntar nada ao garoto. Talvez, achava ele, porque jamais fora de cobrar explicações ao filho. Talvez porque Léo nunca fora um garoto custoso, nunca dera trabalho e sempre fora de confiança. Ou talvez por medo da verdade; por ter a impressão de que poderia perder o filho uma segunda vez se revirasse muito tais acontecimentos.
Já Léo estava tão inquieto quanto a mãe. Não se sentia bem em não poder compartilhar desse sofrimento com ela. Não era confortável saber que a sua presença significava um risco a vida da pessoa que ele mais amava; a única pessoa próxima que tinha no mundo. Não conseguia deixar de pensar em como seria dali para frente, nas coisas que poderiam ou não acontecer, e isso acabava com suas chances de uma boa noite de sono. A consequência ele via na manhã seguinte; estava ficando impossível permanecer concentrado nas aulas. Era bem mais chamativo fechar os olhos e apenas ouvir as pessoas a sua volta, como se estivessem distantes, como se existisse uma bolha o separando da realidade.
— Léo! — Pedro falou em tom de alerta, fazendo com que o garoto abrisse os olhos, assustado.
Léo olhou para o amigo, prestes a repreendê-lo pela ação, que poderia acabar por chamar para ele a atenção da Senhora Bernadete. Contudo logo percebeu que Pedro agira com a melhor intenção possível, já que todos, inclusive sua adorável professora, estavam vidrados na sua pessoa. Léo observou as expressões de espanto de seus colegas. Pedro, Mônica e até mesmo Janaína demonstravam pena, como se estar no lugar dele naquele momento fosse um martírio. Essa impressão Léo também observava nos demais colegas. Menos em Amélia. No rosto dela Léo via preocupação, como se estivesse triste em vê-lo ser alvo de tantos olhares, como se torcesse para que ele conseguisse se sair vitorioso da situação — que Léo ainda desconhecia; o motivo de tantos olhares era uma incógnita. Contudo, ter a certeza de que sua amada ainda se importava, ainda desejava seu bem estar independente de qualquer situação que fosse, significava muito para ele.
Por um breve momento imaginou que o pior havia acontecido; tinha se transformado em fera na frente de toda a sala de aula. Porém a feição do rosto enrugado da Senhora Bernadete não conduzia com alguém que presenciara uma transformação; lembrava mais a expressão de uma professora enfurecida com um aluno.
— Então, senhor Leonardo? — a senhora perguntou impaciente, como se já estivesse esperando pela resposta de algo há muito tempo. Entretanto o garoto não sabia do que se tratava. — Se já se acha no direito de tirar um cochilo na minha aula, posso deduzir que deve estar bem informado sobre esse assunto, não é mesmo? Deve ter lido e relido a carta diversas vezes, acredito eu. O que achou dela?
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Projeto Gênesis - Exposição
Fiksi IlmiahEste é o segundo livro da trilogia Projeto Gênesis. Após descobrir que muito de sua vida era uma farsa, Léo verá que os perigos do Projeto Gênesis estão longe de acabar.