Atrás da porta

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   Não havia tempo a perder. Apesar da surpresa e do despreparo, aquela era uma chance que não apareceria uma segunda vez, o que as colocava em uma corrida contra o tempo. Afinal, a porta poderia abrir sem nenhum aviso, revelando uma visita surpresa de algum black ou pesquisador. E, então, tudo estaria perdido; as cinco meninas seriam descobertas antes mesmo que sentissem o sabor da liberdade.

   Enquanto se acostumavam com a ideia de que estavam em plena execução de uma fuga, Élida prosseguiu com seu serviço, que estava somente se iniciando. Existiam, ainda, quatro tornozeleiras em funcionamento, agarradas aos corpos das colegas, as quais não tinham a mesma graça de uma adaptação que permitia burlar as imposições do aparelho. Cheia de coragem após ver que a estratégia de Amélia era passível de execução, a menina de boca carnuda e pele de tom de noite se pôs a libertar as demais. Assim como fizera consigo, apoiou a palma da mão sobre o eletrônico, disparando curtas descargas, que, da mesma forma que havia acontecido na sua vez, foram o suficiente para dar uma pane no sistema e desativá-lo. Uma de cada vez, as garotas foram libertadas​ da primeira etapa da prisão: Amélia, Graziela, Márcia e Ariel.

   Contavam com uma pequena parcela de sorte, pois, como havia ficado evidente para Amélia nos dias em que ficara ali dentro, aquele lugar não tinha sido construído para aprisionar as cobaias. Tudo não passava de um belo improviso, que fora ajeitado às pressas após a destruição do primeiro — e legítimo — centro de pesquisas. Não haviam câmeras de segurança nos quartos e, pelo que parecia, as tornozeleiras não estavam ligadas a nenhum sistema de segurança maior, que estivesse apto a avisar os blacks de uma tentativa de rebelião, como a que se sucedia. Amélia agradeceu por aquela pequena ajuda do universo.

   — Prontas? — indagou ela, virando-se para a porta do dormitório, enquanto as meninas se posicionaram ao seu lado.

   Apossou-se de um sentimento de força, que pareceu despertar de seu íntimo como um vulcão. Sentia-se mais forte com as horas de treinos e testes que fora obrigada a executar ali. Enfrentaria um exército se preciso fosse. Enchendo o peito de ar, Amélia rompeu um grito supersônico em direção a porta, o mais intenso que sabia conseguir emitir. O espaço pareceu vibrar junto às suas cordas vocais, as paredes tremeram, com os átomos dançando de acordo com a música que era cantada.

   Aproveitando-se da instabilidade que ela promovera, Élida disparou o tiro de misericórdia: um imenso raio elétrico, saído direto de seus pulsos. O raio se chocou contra a porta, liberando um clarão e um estrondo a altura; com tamanha brutalidade, que a porta cedeu sem questionar. Metal e concreto abriram caminho para o extenso corredor.

   — Estão tentando escapar! — ouviram a voz do black que vigiava a porta.

   Contudo, não interromperam seus passos. As cinco meninas correram para fora, com a sede de vingança crescente, aumentando a cada segundo que se passava.

   Graziela ativou sua adaptação, botando para fora suas garras e suas presas; as íris se afilaram, transformando seus olhos nos típicos olhos felinos, que Amélia estava acostumada a ver em Léo.  Com a agilidade aguçada, a garota correu em direção ao black, tendo a certeza de que a melhor defesa seria o ataque súbito. Avançou, esquivando-se das vãs tentativas do homem de tentar atingi-la. Era esplendoroso de se ver, pensou Amélia; Grazi era quase invencível em um combate corpo-a-corpo.

   Enquanto a garota derrubava o black com golpes de dar inveja em qualquer capoeirista, Amélia encarou o corredor e os dois homens que saiam em disparada para além dele. Avisariam os demais, decerto, o que tornaria a fuga um pouco mais complicada.

   — Temos que salvar os garotos — concluiu Amélia, presa a seriedade que a ocasião a obrigava a ter. — Eles estão para lá. — Apontou para o mesmo lado por onde os blacks haviam corrido.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora