Um brinde

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   Contrariando a ordem que a vida tinha imposto nos últimos dias, a noite chegou calma e de forma despreocupada. Era até de se espantar os momentos felizes que aquela quarta-feira tinha lhes proporcionado, como se o universo tivesse dado um dia de trégua naquela batalha infernal; como se Deus finalmente tivesse se lembrado de suas existências.

   Léo olhava pela janela da sala, que dava uma visão ampla de todo o ornamentado quintal, soltando, vez ou outra, suspiros profundos, enquanto saboreava um copo de suco de uva. Admirava a piscina, com suas águas agora paradas, refletindo com maestria os últimos raios de sol do horizonte e a noite de verão, que chegava sem previsão de chuva. O tempo estava perfeitamente adequado para receber um jantar de comemoração; e era o que iria acontecer.

   O clima bom de festa aos poucos começava a contagiar a casa. Não seria uma festa, propriamente; dona Cristina informara que a refeição especial seria apenas para os atuais moradores da casa. Contudo, a alegria dos cinco adolescentes comparava-se a de uma platéia prestes a assistir o show mais esperado da noite.  

   Os suspiros que Léo exprimia eram de total contentamento. Depois de muito tempo, o garoto finalmente começa a sentir que as coisas estavam caminhando para um final, e que, incrivelmente, tratava-se de um final feliz.

   Tudo indicava que o Projeto não se sustentaria mais como um segredo de estado, o que automaticamente impedia tio Paulo e seus amigos de seguirem com suas atrocidades. A mídia o obrigaria a recuar, a devolver os adaptados para suas famílias e, quem sabe, pagar na justiça pelos seus crimes. As mortes não seriam reparadas, o garoto sabia, contudo, aquele seria até um bom desfecho. Léo sabia que, de onde estava, Mônica se encontrava tão animada quanto eles.

   Enquanto admirava a área externa, o rapaz ouvia o barulho das louças sendo colocadas sobre a mesa pela empregada. Contudo, além do tilintar dos talheres e pratos, outro ruído ecoava pelos cômodos: a voz de Cristina, que, agitada, cuidava principalmente para que a comida ficasse pronta a tempo. Era perceptível que a mulher estava acostumada a fazer aquele serviço; as ordens eram dadas com a segurança de uma especialista. Aquele jantar, Léo concluiu, nada mais era do que o dia a dia daquela família.

   Foi acordado de suas divagações quando passos vieram em sua direção. Não precisou olhar para descobrir que os passos pertenciam a Janaína; estava ali exatamente para aquilo, a espera da menina para a tal conversa que ela desejava ter com ele. Léo não podia negar que estava ansioso, o nervosismo o consumia por inteiro, mas tinha prometido a si mesmo que não deixaria que ninguém percebesse. Entretanto, percebeu que não seria tão fácil cumprir a promessa no exato momento em que a loira se colocou ao seu lado e se pôs a admirar a janela.

   O perfume dela chegou segundos depois; um aroma suave e doce.

   — Oi… — ela disse, encostando o corpo na cortina de seda.

   — Oi — respondeu ele, no automático, martirizando-se pela resposta seca logo em seguida. Tentou não se deixar abalar e prosseguir: — Esse dia tá parecendo um sonho, né?

   Ela balançou a cabeça, discordando.

   — Chamar de sonho eu acho exagero — opinou, direta e sorridente. — Tá mais pra uma parte menos ruim do pesadelo.

   Sentindo o nervosismo evaporar aos poucos, Léo começou a ficar mais à vontade próximo a moça. Inclinou o corpo, encostando-o na vidraçaria da janela. Olhou em volta; a empregada continuava a botar a mesa, Cristina continuava elétrica em seus afazeres e Pedro, Sandro e Victor conversavam na sala de estar, entretidos demais para perturbar os dois com olhares e sorrisinhos maliciosos. Se Sandro realmente estava certo, pensou o garoto, aquele era o momento ideal para descobrir.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora