Uma ratinha de laboratório. Era assim que Amélia se sentia naquela sala de testes. Já havia perdido a conta de quantas vezes tivera que dar seu grito supersônico naquela manhã; tudo, como disse Doutor Paulo, para entender como funcionava sua adaptação. De início, com os primeiros gritos, achou que o medo que sentia não tinha base para existir, afinal, os pesquisadores apenas estavam pedindo para que ela fizesse o que sabia naturalmente fazer. Entretanto, com o passar das horas, tornava-se cada vez mais exaustivo continuar a forçar o som a sair de sua garganta. Suas cordas vocais doíam, seu pulmão ardia com a perda constante de fôlego e uma intensa dor martelava em sua cabeça, em consequência da exposição ao barulho tão alto.
A garota apoiou na parede branca da sala, sentindo tudo em volta rodar por alguns segundos. Respirava fundo e forte, buscando o ar que os cinco últimos minutos seguidos de grito haviam tirado de seus pulmões. As gotas de suor, que pingavam no piso branco como uma torneira velha, não a incomodavam mais que os incessantes calafrios que percorriam seu corpo. Todo o mal-estar que a envolvia era acrescido da sensação de impotência, como se sair da paralisia anestésica não tivesse adiantado em nada; continuava sendo usada como fantoche daquelas cientistas.
A regata cor de rosa e o calça de moletom cinza se encontravam ensopadas, ao ponto de pesar em seu corpo e aumentar um pouco mais a sua falta de postura. Nem mesmo ela podia imaginar que cansava tanto usar seu dom. Queria chorar, porém tinha prometido a si mesmo que não se curvaria aqueles cretinos.
— Paciente 08? — uma voz masculina reverberou pela sala, através de um autofalante, o que dava um efeito metálico à ela. — Paciente 08, precisamos que prossiga com o teste. Ainda não acabamos de responder todas as perguntas. — Amélia levantou a cabeça, que pesava com a exaustão, e olhou para a sala. Era retangular, com piso e paredes brancas e sem nenhum móvel. Em uma das paredes, um imenso painel de vidro a cobria quase por completo; era de onde os pesquisadores observam e davam as ordens à garota. Em outra parede, uma porta fechada, também branca, fazia a ligação com o lado exterior. Amélia fitou a grande vidraça fumê, desejando poder matar cada ser que estivesse do outro lado. Mas não podia. — Paciente 08, inicie o teste imediatamente — o cientista disse, imperador.
Ela aprumou o tronco, fechou os olhos para manter o controle e encheu o peito de ar. O grito supersônico que veio em seguida saiu da forma mais natural possível, porém não tinha mais a mesma potência de seus antecessores. A estrutura da pequena sala vibrava, a vidraça ondulava, seus tímpanos imploravam por clemência, mas, apesar de todos os infortúnios, seu grito poderia continuar pelos próximos cinco minutos sem nenhum problema. Contudo, o problema não estava em sua adaptação, mas sim em seu lado humano. O esgotamento de energia chegara a um ponto crítico, no qual a garota já não conseguia controlar suas ações. A mão trêmula não era mais uma reação inesperada, assim como as pernas que falharam no trabalho de mantê-la em pé e a consciência que falhou em deixá-la acordada.
Sem tentar lutar contra, Amélia caiu. A voz foi sumindo, acompanhando sua queda até cessar de vez com o baque seco no piso frio. O silêncio, que se seguiu após as fortes ondas sonoras, parecera mais intenso do que realmente era.
A porta se abriu e, calmo como sempre, Paulo adentrou a sala, seguido de uma pesquisadora e dois enfermeiros. O cientista retirou um cronômetro do bolso da jaleco; observou o aparelho enquanto aproximava-se da garota desacordada.
— Exatas duas horas e dezenove minutos — expôs ele, vitorioso. — Um excelente tempo, tenho que admitir.
— Um ótimo tempo! — a pesquisadora reafirmou, com os olhos arregalados. Mesmo com o jaleco sobre as vestimentas, era evidente o capricho que ela tinha com sua aparência. Era uma autêntica perua. Os cabelos negros bem cuidados iam até centímetros abaixo dos ombros, a blusa de seda amarela harmonizava com a calça jeans desfiada de forma estilosa e com o salto negro exageradamente alto. Apesar dos quilos de maquiagem que cobriam seu rosto, suas quatro décadas se mostravam através das singelas rugas que já marcavam suas expressões. — A mutação adquirida por ela é muito valiosa — prosseguiu ela. — E com esse tempo… O soldado que possuir essa mutação poderá afetar muito o exército inimigo. Em um campo de batalha, com a potência dessas ondas sonoras, eu diria que os homens do batalhão adversário irão implorar por uma morte menos sofrida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Projeto Gênesis - Exposição
Khoa học viễn tưởngEste é o segundo livro da trilogia Projeto Gênesis. Após descobrir que muito de sua vida era uma farsa, Léo verá que os perigos do Projeto Gênesis estão longe de acabar.