Casa cheia

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   — Ei, rapaz! Você não pode entrar nesse prédio desse jeito! — o velho porteiro, já castigado pela idade que o aproximava da aposentadoria, tentou evitar a invasão. Porém não obteve grande sucesso, mesmo com a ameaça de envolver a polícia na história.

   Léo disparou condomínio adentro, pouco se importando com as palavras de ordem do senhor. A única coisa que importava era chegar até Amélia. Precisava ver com os próprios olhos que ela estava bem, que tudo não passara de um engano, ou que, ao menos, ela tivesse conseguido se defender. Não podia pensar no pior, não para sua amada. Mesmo que as chances fossem poucas, ela era mais do que capaz de se proteger.

  O garoto correu diretamente para as escadas; não seria capaz de aguardar o elevador. Em sua cabeça, já via a imagem de Amélia abrindo a porta do apartamento, sorrindo para ele e pedindo desculpas por não ter respondido às dezenas de mensagens e chamadas telefônicas que ele havia feito no apreensivo caminho até ali. Ele tinha esperança de que tudo não passaria de um erro de comunicação.

   — Pare, rapaz! — exclamou o porteiro, tentando acompanhar o ritmo de Léo.

   — Léo, acalme-se! — Márcia vinha logo atrás.  A menina o acompanhara, sem hesitar, no táxi que os levou até o imenso condomínio.

   Contudo, os pedidos eram, de pronto, ignorados pelo rapaz, que seguiu escada acima sem sequer responder aos gritos às suas costas.

   Com os pulmões ardendo e o coração explodindo, Léo alcançou o quarto andar. Porém, antes mesmo de chegar em frente ao apartamento de Nanda, suas esperanças começaram gradativamente a serem pisoteadas pelos fatos. Próxima às escadas, jogada no canto do corredor, encontrava-se a mochila de Amélia. Ele a pegou, sentindo o perfume da garota e um aperto no peito.

   Márcia se aproximou devagar.

   — Eu sinto muito — compreendeu o que acontecia.

   — Não… Não pode ser. — Léo caminhou até a porta do apartamento, encontrando, desmontado no piso, o aparelho celular de sua ex namorada. — Amélia! — gritou, dando socos na madeira da porta. — Amélia!!

   — Meu rapaz, por favor, chega de escândalo — o porteiro pediu, impaciente. — A garota não tá aqui. Como eu havia lhe dito, ela foi levada para um hospital por uns amigos. Estava desacordada. Eu não sei o que aconteceu, não sei qual hospital ela tá, não sei de nada. Só sei que você precisa ir embora.

   Léo balançou a cabeça, inconformado. Sabia que aquela história não era verdade; era apenas mais uma ilusão criada pelos blacks. Entretanto o senhor tinha razão em uma coisa: ele não devia estar mais fazendo aquele alvoroço todo. Não iria adiantar em nada. Precisava pensar. Precisava de um plano.





   De todas as sensações que um ser humano podia sentir, Léo jamais imaginou que viveria para ver uma garota resmungar de dor por causa de uma fratura em sua asa. Porém, Márcia estava sentada à sua frente, segurando os urros e choramingos, enquanto Clara posicionava o esqueleto de sua asa no local correto.  A pobre menina se encolhia no sofá a cada pequeno movimento feito pela garota curandeira. A asa esquerda de Márcia estava envergada; dobrada em uma posição anormal. A fratura tinha sido muito grave. Enquanto Clara deslocava o osso de  uma asa, a outra batia vagarosamente, descompassada. O par albino, com penas macias e brilhantes,  possuía uma beleza esplendorosa, que dava a Márcia uma aparência angelical.

   — Se segure — pediu Clara, com as mãos atoladas nas penas do membro quebrado. — Vai doer um pouco mais.

   — Tá… — Márcia não se moveu, apenas travou a mandíbula e fechou os olhos, respirando calmamente à espera da dor.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora