Ratoeira

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   Há momentos na vida em que ouvir as nossas intuições vai além de superstição. Às vezes, o que chamamos de intuição está longe de ser algo abstrato, mas sim uma certeza do nosso subconsciente; sabemos por experiências passadas, mesmo que sem nos darmos conta, que as chances de algo acontecer são grandes. Chamamos de análise intuitiva o que nada mais é do que a observação de um padrão de comportamento. E não é de se espantar quando, ao negar nossas sensações intuitivas por razões de força maior, nos pegamos decepcionados com as nossas escolhas.

   Era isso que Léo estava sentindo naquele instante: uma profunda decepção em Janaína.

   Encaixando os pontos, ele agora conseguia ver nitidamente que a situação se escancarava diante de seu rosto há muito tempo, mesmo antes de terem colocado os pés naquele condomínio de luxo. Tinha sido ingênuo em acreditar que os pais de Janaína iriam, de bom grado, aceitar as informações sobre o Projeto; como se fosse a coisa mais comum concordar em brincar de pique-pega com os blacks. Ninguém se colocaria naquela situação, Léo só agora percebia. Era o que estava acontecendo com sua mãe, que estava disposta a abrir a boca pro mundo, em troca da sua segurança. Era o que acontecia, também, com tia Pâmela, que não aceitara as explicações de Pedro, não fora capaz de acreditar que aquilo tudo era uma realidade em seu mundinho comum. Por que teria sido diferente com Lúcio e Cristina?

   Só agora o garoto entendia a causa do nervosismo de Janaína, quando ele se colocava a elogiar a atitude de seus pais. O segredo de família, como ela mesmo havia chamado, nada mais era que um segredo única e estritamente dela. O casal, que agora finalmente tinha consciência das coisas que acontecia debaixo de seu teto, em nenhum momento soubera das pesquisas, dos raptos,  das mortes…

   A decepção era muito grande, tão grande que Léo sequer imaginava o porquê de tamanho​ sofrimento. Sabia, apenas, que a fúria era crescente em seu peito; crescia mais e mais, à medida que o tempo passava e ele mantinha os olhos fixos nas íris azuis da menina.

   Entretanto, fora ela a explodir primeiro:

   — Tá vendo?! Tá vendo o que você fez?! — exclamou ela, alternando a atenção entre Léo e seus pais, que assistiam a tudo como se tivessem acordado após dormirem no meio do filme.

   — Janaína, o que tá acontecendo aqui?! — Lúcio pediu explicações. — Quem são essas pessoas? Por que estão em nossa casa?!

   A loira, deixando de lado o descontentamento pela atitude do garoto, volveu-se interinamente para seus pais, se aproximando dos dois com a respiração quase travada, as mãos trêmulas e os olhos marejados. Parecia estar vivendo um conflito em sua cabeça, diante de uma conjuntura que não esperava encontrar naquela noite.

   — Pai… Mãe… — ela chamou a atenção dos dois, fazendo que olhassem outra vez para ela. E no passe que os olhares se cruzaram, o brilho azulado surgiu sob suas córneas, sugando toda a consciência do casal de volta para as profundezas de suas mentes; as expressões faciais se acalmaram, a dúvida dando caminho para a total aceitação e confiança. — Já tá tarde, vão para o quarto e durmam.

   Sem nenhum questionamento sobre a ordem dada e ignorando o fato de que ainda eram sete horas da noite, Lúcio e Cristina se colocaram a andar em direção aos quartos. Todos em volta assistiam ao momento, confusos demais para conseguirem expressar uma opinião. O segurança permanecia próximo a porta, como se não se importasse tanto em entender os acontecimentos que se sucediam na casa. Porém, Léo não estava inclinado a agir da mesma forma; a tez emburrada evidenciava toda a sua indignação.

   — Não acredito que eles tavam hipnotizados esse tempo todo… — ele a reprovou, balançando a cabeça veementemente em negação.

   Janaína, por sua vez, parecia ainda absorta nas atitudes que o contexto havia lhe obrigado a tomar.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora