Epílogo

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   — Está tudo pronto, senhor — Paulo escutou o chamado de um dos seus homens. Um dos poucos que estavam ali, auxiliando-o naqueles primeiros dias.

    O cientista se levantou, pronto para usar de toda as suas forças no seu último desafio. Não era nada boa, a sensação que ganhava forma em seu espírito; o sentimento de observar, sem poder fazer muita coisa, o Projeto escapar-lhe das mãos como um animal custoso. Aquele momento era a sua última chance de domá-lo, de fazê-lo seu bichinho mais fiel.

   — Excelente — respondeu ele, paparicando o empregado; mais do que nunca, precisaria de aliados. Olhou para os grandes caixotes cobertos por um extenso pano branco, disposto simetricamente a frente do grande telão. Depois, voltou-se para o telão, deixando que os caixões lhe servissem de plano de fundo. — Inicie a videoconferência.

   De prontidão, o técnico ligou os eletrônicos. Não tardou para que surgissem as faces carrancudas de dois homens e uma mulher. A feição que emanava uma seriedade que Paulo não estava acostumado a ver de seus superiores.

    Ele sorriu, apesar da tensão.

   — Olá, senhores.

   — Recebemos um memorando com as informações da situação, Paulo.

   O sorriso permaneceu engessando os músculos, numa habilidade de dissimulação que invejaria qualquer grande político, ele ironizou internamente. Um memorando… Não precisava saber quem havia enviado para deduzir que não eram elogios, o que o texto levara a seus diretores.

   — Como você foi capaz de perder o controle dessa forma? — a mulher questionou, ríspida. A representante da União Europeia sempre fora a mais ranzinza dos três. — A carnificina na casa do empresário Lúcio Sonnenberg está em todos os jornais.

   — Uma prova irrefutável do nosso modo de agir — completou o representante dos Estados Unidos.

   Ele respirou fundo.

   — Senhores…

   — Perdemos dois centros de pesquisas em um mês… Prédios, soldados, especialistas… O governo não tem condições de arcar sozinho com esse déficit — o representante do governo brasileiro pontuou, interrompendo o doutor sem nenhuma parcimônia. — E mais uma vez, os pacientes conseguiram escapar. Um desastre total!

   — Sei que devem estar bastante estressados com esse cenário caótico, mas garanto que não tanto quanto eu, senhores — argumentou, por fim. O sangue fervia de ódio, debaixo de uma expressão de plenitude mal construída.  — Mas o que precisamos agora é focar no futuro do Projeto Gênesis.

   A mulher riu do outro lado da tela.

   — Ora, mas, obviamente, estamos pensando no futuro… — A ironia se fazendo presente em cada letra proferida. — E falo pelo futuro quando digo que está na hora de uma alteração de gestão das pesquisas.

   Aquele, Paulo pensou, era o ponto principal da reunião. Não estava surpreso com a declaração da representante; pelo contrário, tudo que havia feito nos últimos dias era se preparar para o derradeiro momento. Antes que sua liderança caísse por terra, ele havia percebido os indícios. A exposição precoce do Projeto para a mídia tinha sido o maior deles.

   — Esperem… Peço que me ouçam antes de tomarem uma decisão.

   — Não será meia dúzia de palavras que irão nos fazer mudar de ideia, Paulo. — o embaixador dos norte-americanos se fez ouvir. —  Precisamos que essa pesquisa avance sem maiores empecilhos, você sabe disso. Ou você realmente acha que entramos nessa brincadeira porque parecia divertido? As pesquisas precisam continuar.

   O geneticista estava perdendo a vontade de manter a falsa calma.

   — E elas vão continuar! Com uma nova abordagem, dessa vez — fez uma pausa, percebendo que havia chamado a atenção dos três. — Há algumas semanas, após o primeiro incidente no centro de pesquisas, iniciei novos testes por conta própria. E a descoberta que obtive foi essa…

   Paulo deu as costas para a tela, e foi em direção às grandes caixas cobertas pelo pano branco. Removeu o tecido em um único puxão, deixando evidente a sua última carta.

   Haviam três tubos de vidro, nos quais um líquido azulado mantinha em imersão as suas preciosidades. Paulo sorriu, fitando o primeiro tubo; o corpo de Letícia flutuava, sem vida, porém muito bem conservado. No segundo tubo, encontrava-se Tiago, tão morto quanto a colega ao lado. O terceiro, contudo, era o que mais fazia seus olhos luzirem. Uma Mônica pálida e com as tez petrificada, os cabelos negros e longos dançando no líquido conservante, sobrenadava como se a qualquer momento fosse novamente abrir os olhos. Sem dúvida, era uma das mais belas de todas as suas crianças.

   — Se armazenados adequadamente — ele prosseguiu, volvendo-se outra vez para o telão. —, eles ficam assim. Células, tecidos, órgãos… Tudo em perfeito estado. — Sentiu a vitória beijar-lhe as mãos ao perceber que tinha a inteira atenção de seus superiores. — Ou seja, senhores, as pesquisas podem prosseguir naturalmente nos adaptados, mesmo que em suas versões… enlatadas. Já sabemos que a substância mutagênica funciona bem nos corpos, não teria nenhum risco de avançarmos para a criação do exército. Não se faz mais tão necessária a vida dos primeiros cobaias, eles não estão condicionados a aceitarem a vida que o Projeto lhes proporcionará.

   — Matar todos? — a mulher questionou, cheia de curiosidade. — Mas isso traria um escândalo ainda maior!

   — Estamos prestes a entrar em uma guerra contra o ocidente, qualquer escândalo agora não significa nada — o representante do Brasil foi quem respondeu, colocando-se, para a felicidade do cientista, ao seu lado.

   Paulo sorriu. Sorriu de verdade.

   — É isso. Peço que me dêem a última chance. Vamos pegá-los desta vez, buscando, apenas, aquisição de seus corpos. Estamos avançados demais para ficarmos lidando com o temperamento revoltado de dezoito adolescentes.

   — Parece uma boa opção…

    Sentiu o Projeto finalmente voltando para as suas mãos. O animal custoso sendo domado com maestria. Era um belo fim.

   — Vamos caçá-los por Goiânia. Um por um… — Era, na verdade, o mais belo dos recomeços. — São todos maçãs podres.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora