Gota d'água

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   — Vire naquela rua — ele pediu, e fora imediatamente atendido pelo taxista, que saiu da avenida principal e entrou na rua a direita. Léo especulou as placas grudadas nos muros das casas, onde podia-se ler seus endereços e, mais precisamente, o nome da rua. Depois, analisou o diminuto papel em que Márcia tinha deixado anotado o endereço de sua família. — É essa rua.

   Respirou aliviado, analisando, agora, as casas e edifícios da rua. Não devia estar muito longe, era apenas uma questão de aguçar o olhar.

  — Ela mora em apartamento — recordou-se Pedro, olhando através das janelas posteriores do veículo. — Procurem nos prédios.

   O automóvel andava devagar, dando o devido tempo para que os endereços fossem lidos com calma. A rua se estendia de forma íngreme a perder-se de vista, sendo cortada perpendicularmente por, no mínimo, mais uma dúzia de ruas. O bairro era em sua maioria um local residencial, com poucas construções comerciais, que se restringiam as avenidas mais importantes. Contudo, aquela rua não se encaixava no perfil, o que fazia com que fosse tomada por construções estritamente residenciais.

   Como era costume em Goiânia, as calçadas eram bem arborizadas, com oitizeiros, ipês-de-jardim e jovens sibipirunas em toda sua extensão.  Poucas pessoas eram vistas, mesmo a manhã ensolarada de domingo já tendo começado há muito; a população aproveitava o dia de descanso para dormir até quando a natureza permitisse. A cidade ganhava ares de interiorana aos domingos; com suas ruas vazias e silenciosas, o canto dos canarinhos, bem-te-vis e joões-de-barro se sobressaía, ecoando por todos os lados. A capital só voltaria a se aquecer na tarde daquele dia, Léo pensou, pois era domingo de futebol, e o maior clássico da cidade animaria as pessoas.

   Como sempre, a vida normal prosseguia sem grandes problemas, contudo, o garoto e seus amigos não faziam mais parte dessa normalidade. Enquanto mais de um milhão de pessoas aproveitavam a manhã de sossego, eles se encontravam ali, em busca da casa de Márcia.

    Léo continuava sem seu devido descanso, passara a noite verificando se a loirinha de asas brancas tinha chegado na casa ou não. No meio da madrugada, desistiu; percebeu que se a garota não havia dado notícias até aquele momento, algo sério estava por trás. Entretanto, isso só fez aumentar sua aflição. Passara a verificar, a cada cinco minutos, as horas no celular, torcendo para que a manhã chegasse e ele pudesse ir de encontro a menina.

   O resultado estava em seu rosto. Era impressionante o que a insônia era capaz de fazer com o humor de uma pessoa. Não contente, seu corpo agora lhe castigava ainda mais; a inflamação no ombro tinha se intensificado e a região doía a qualquer sinal de um leve toque. Léo se perguntava como estava conseguindo se manter em pé daquela forma, cansado como nunca estivera, disperso e irritado. Travava uma batalha com seu próprio organismo.

   — É aquele! — Janaína apontou para um condomínio simples, com apenas uma torre.

   Léo averiguou o endereço e um alívio ainda maior o tomou quando viu que Janaína tinha razão; o pequeno condomínio vertical, erguido pouco a frente de onde estavam, era sim o lar da loirinha. O táxi parou, e os três desceram apressados. Pararam na calçada do prédio, analisando a portaria com mais minúcia.

   A ansiedade se alastrava na mente do rapaz de cabelos claros, quando sentiu seu celular vibrar no bolso da calça. Apanhou velozmente o aparelho, podia ser notícias da garota. Porém, o nome que surgira em sua tela estava longe de lhe trazer bons sentimentos — não naquela situação. Era a sétima ligação de sua mãe desde que ele deixara, pela segunda vez, sua casa. Devia estar preocupada, Léo era capaz de imaginar o quanto, entretanto, as ligações da mãe só faziam sua consternação e a culpa que sentia em mentir aumentarem. Guardou o eletrônico novamente no bolso, ignorando as vibrações com um aperto no peito, até que cessaram. A ligação tinha caído; sua mãe desistira pela sétima vez.  

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora