Eletricidade

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   Aquela batalha em nada lembrara as suas antecessoras, nem mesmo o desfecho. A sujeira estava lá, no quintal de uma casa luxuosa de gente importante, em um bairro luxuoso de gente importante, diante dos olhos de quem quisesse ver. Pela primeira vez, Léo percebeu que o Projeto não fizera questão de amenizar o estrago e não apareceria para esconder as provas. Tinham aceito de bom grado a exposição causada por ele e estavam se aproveitando do que o garoto achava ser a cura para seus problemas, como uma doença altamente infecciosa.

   A nova ordem dos acontecimentos trouxe ao menino a conhecida sensação de estar perdido, sem entender o que se passava. A atitude despreocupada dos blacks ia contra tudo o que ele esperava. Tinha se acostumado a sempre vê-los atuando na espreita, na surdina, e aquela aparição toda afirmava o que Manoel tinha dito: as coisas continuariam, e sem as máscaras para a sociedade.

   Léo viu Victor mexer, começando a acordar no banco de trás do carro, onde espremiam-se três garotos desacordados e Janaína, em um canto apertado e desconfortável. Victor levantou a cabeça; o olhar vago, o desnorteamento já esperado. Pelo espelho retrovisor, Léo observou o rapaz analisar o que se desenrolava a sua volta: o veículo em movimento, tomado por um silêncio que englobava toda a noite.

   — Onde estamos? — questionou ele, embebido pela sonolência.

   — Vencemos a emboscada — Janaína informou, para depois responder a pergunta: — Tamo indo para longe do condomínio.

   Victor encarou os dois garotos desmaiados ao seu lado. Pedro e Sandro demorariam a despertar, supôs Léo, pois o efeito do veneno de João se prolongaria noite adentro.

   — Meu Deus… — Victor disse, apenas, para logo em seguida se entregar ao silêncio que reinava; ao mórbido e arrepiante clima de morte que tinha se instalado.

   Assustador, era o que definia a situação para o Léo. Qualquer passo que planejava dar parecia arriscado demais, como se caminhasse em um campo minado. Entretanto, Janaína parecia estar certa do próximo passo que daria. Ainda não tinha explicado para ele o que pretendia fazer, mas todos os seus comandos eram dados com uma confiança invejável para a ocasião.

   A garota não havia sequer parado para refletir. Apenas pedira para que ele amarrasse Manoel e o jogasse no porta-malas de um dos automóveis presentes na garagem da mansão. E, enquanto ela entrava na casa, deu a ordem para que ele também colocasse os garotos no carro. Léo resolveu não questionar as tarefas que ela impunha; tinha decidido dar um último voto de confiança, e parecia muito mais fácil deixar que a loira fizesse o que quisesse. Não queira mais tomar nenhuma decisão, estava esgotado demais para isso. Portanto, o melhor que tinha a fazer era apenas obedecer.

   A menina voltou de dentro da casa com seu pai logo atrás, bobo como um sonâmbulo. O homem estava visivelmente hipnotizado, acompanhava os passos da filha como um animal de estimação; contudo, Léo entendeu que aquilo era necessário no instante em que Janaína deu o comando para que Lúcio se colocasse no banco de motorista do carro.

   Antes de sair, a loira se dirigiu até o segurança, caído e baleado no meio do jardim, mas ainda vivo. Fizera a promessa de que chamaria socorro para ele e agradeceu pela ajuda e por tê-la salvo.

    E, então, partiram.

   Já inteirava vinte minutos que andavam pela cidade e, naquele momento, refletiu Léo, a casa dos Sonnenberg estaria se transformando em um formigueiro humano, com a polícia, os bombeiros, as ambulâncias, os repórteres… O caos estava instaurado, a mídia logo faria a associação dos fatos e as coisas tomariam uma proporção que nem ele imaginou presenciar.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora