O cerco

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   Por mais que ninguém ali presente tivesse medo da noite, a negridão que englobou a casa não deixou de eriçar os pelos, nem de elevar o estado de alerta. Era como estar na porta do inferno, Janaína interpretou; onde as sombras ganhavam força, os pecadores lamentavam suas feridas — assim como os blacks lesionados​ — e os demônios espreitavam, preparados para atacar.

    Aquela sensação, com toda a certeza, era a pior; a sensação de não saber o que esperar dos próximos segundos, de estar a mercê do destino, como numa correnteza que antecede a queda de uma cachoeira. Queda essa que não tardou em chegar.

    Enquanto a loira tentava adaptar a visão para a escassez de luz, gritos ecoaram pela casa, sobrepondo os lamentos dos blacks que se encontravam vivos no cômodo ao lado. Os gritos eram de mulheres e viam da cozinha, no outro lado da casa. Só então Janaína se recordou de que, além de seus pais, haviam empregadas alí, que provavelmente já estariam desesperadas àquela altura do campeonato. Contudo, aqueles gritos eram de susto, de total surpresa.

   — Estão vindo pela cozinha! — Janaína anunciou alto, para que todos se antecipassem para o ataque iminente.

   Acabando com suas previsões, contudo, o que se seguiu antes da investida vinda da cozinha, foi uma batida na porta de entrada da casa. Algo extremamente pesado se chocou a porta, que, cumprindo o seu papel de forma majestosa, não cedeu passagem no primeiro momento.  Mas outra pancada veio logo em seguida, escancarando o acesso para quem quisesse entrar. A iluminação externa do condomínio transpôs a porta, deixando tudo sob penumbra.

   Os primeiros blacks surgiram com armas em punho, ansiosos para o novo assalto. O segurança, cumprindo as ordens da jovem patroa, não esperou receber o primeiro tiro para que apertasse o gatilho em direção aos mascarados. Pedro fez o mesmo, aproveitando das sua vantagem de não precisar se aproximar de seus adversários.

   A defesa era feito com destreza pelos garotos, mas Léo não se sentia seguro ali. Sua audição aguçada de felino lhe anunciava que o perigo se aproximava, vindo da cozinha. Caso chegasse até as salas, estariam cercados; a ratoeira se fecharia por completo.

   — Precisamos sair daqui… — disse, para si mesmo, para, logo em seguida, repetir em alto e bom som: — Precisamos sair daqui! — Olhou a saída que dava para a piscina. — Pros fundos! Vamos pros fundos!! — fez sua voz grave reverberar pelos cômodos.

   — Vamos! — Victor se fez ouvir, em meio ao estrondo dos disparos.

   A falta de luminosidade deixava tudo mais complicado, principalmente para Victor, Pedro, Janaína e o segurança, que, ainda na sala de estar, tinham que se defender dos blacks que entravam enquanto caminhavam em direção a saída do quintal. Não podiam dar as costas aos inimigos, mesmo que isso significasse esbarrar em tudo o que era tipo de obstáculo. As cenas de morte que preencheram os últimos minutos voltaram a se repetir sob a meia-luz; Pedro fazia de suas mãos uma metralhadora de espinhos, que, de tão negros, brilhavam mesmo com a claridade precária. O segurança, por sua vez, gastava comedidamente as suas balas, com tiros certeiros que confirmavam a qualidade de seu trabalho.

   Com grande custo, alcançaram Sandro e Léo, e transpuseram o caminho para fora no instante em que os blacks que adentravam pela cozinha chegaram a sala, prontos para fecharem o cerco. Eram muitos homens, mas, mesmo com a vantagem, a emboscada tinha falhado.

   Era o que Léo pensava enquanto saia para o jardim. Contudo, suas suposições se mostraram frustradas nos primeiros metros que percorreu. O cerco não tinha sido desarmado; pelo contrário, se fecharia ali, sob a luz do luar. Rapidamente, os jovens formaram um círculo, para que pudessem se defender do que estava por vir.

Projeto Gênesis - Exposição Onde histórias criam vida. Descubra agora