As muralhas me cercam, elas me prendem e por consequente perco a respiração. A vida se esvazia como grãos de areia, a vida foge, corre como um relógio e no exato momento o dinheiro não compra a paz que tanto anseio. Rodeada em meios as muralhas, outrora me agradaria ser como esses que me servem, não os condeno, ao contrário, os admiro, pois, almejo a liberdade da qual não posso saborear.
O Castelo Ward se ergue sobre um elevado monte e sua vista exala um prazer que os deuses do olimpo fariam guerra para contemplar tamanha dadiva da qual se alimenta sobre os alicerces da terra. Desejando a morte e vivendo diariamente, ela teima em me abandonar, será um castigo ou apenas minha sentença para um dia adentrar no paraíso. Castigo ou não esse castelo converteu-se em minha residência.
— Vossa graça! — Pobre menina, toda tímida e cheia de sonhos e quando a vejo lembro de minhas fantasias. — Perdão! — Acrescentou a tímida garota. — Como bem sabe, cumpro ordens de sua graça.
Cumpro essas ordens há muito tempo e há muito tempo minha vontade é jogada aos ventos. O duque manda, o duque ordena e a palavra do duque será cumprida doa a quem doer. No palácio Ward ele é o rei, na corte de José Bonaparte o duque não passa de um mero cão de guarda, na verdade, ofendo esse pobre animal quando o certo seria chamar o duque de real bobo da corte.
— Está perfeito, senhora. — Disse a serva.
— Confio em vos, Lupita.
— Vossa graça não deseja admirar-se no espelho? — Perguntou a garota vestida de intensa vergonha e muito medo.
— Como disse confio em seu trabalho. — Suspirei. — Obrigada!
Naquele vasto corredor a imagem refletida sobre as telas de todos os antigos duques da família Ward, ou seja, os ancestrais de meu marido. Descer as escadarias me enojava profundamente e atrevidamente podia escutar o pulsar do meu coração, era acelerado e a respiração ofegante, não entendo, já fazia esse trajeto a quase quatro anos e durante todo esse tempo não consegui vencer essa agonia que me aflige todo o santo dia.
— Está atrasada, Sra. Duquesa. — Disse o homem que se assentava na outra ponta dessa enorme mesa.
— Perdão, meu senhor! — Nem mesmo o fitei, tive medo, de vergonha me vesti, claro, deixá-lo com raiva não seria aconselhável.
— Todos os dias vossa graça pede perdão... — Se queixou o mesmo e gesticulou para que o servo vestido de peruca branca ao estilo inglês lhe servisse o vinho do porto que tanto admira. — Estou farto de vossas desculpas, Sra. Duquesa.
—Juro que essa afronta não se repetirá.
Estava de pé e a pouco centímetros da mesa e ainda não avia sentado, lamento, ele não concebeu permissão.
— Há exato quatro anos espero um herdeiro de vossa graça. — Revelou um tanto irritado. — Estou farto de vossas desculpas, Victoria. — Ele socou a mesa e todos os empregados temeram-no.
Humilhada me encontrava, tinha dinheiro, mas não tinha paz, desfrutava de lindos vestidos, todavia, porque vesti-los? Há muito tempo vivo nesse inferno, casei-me porque fora a vontade de meu pai, por fim, ele nunca perguntou se essa era de fato a minha vontade.
— Não adianta chorar, Victoria, no momento vós não servi para nada. — Respondeu o duque. Eu estava perdida, era apenas um corpo sem vida, pois naquela noite o duque me feriu.
Na noite seguinte Juan Gabriel, o duque, me levou ao baile no palácio do rei, no outro dia, outro baile, este por sua vez na casa do marquês e por consequente na casa do visconde e da baronesa viúva. Sorrir era uma ordem embora este pobre coração esteja tão ferido quanto a alma de um órfão de pai e mãe.
Os livros descrevem a vida dos reis e nobres como um conto de fadas, eu descrevo como um conto de mentiras. Quando o duque me beija e me possui sinto-me constrangida, afinal o homem que beija e declara juras de amor é o mesmo que bate com tapas e com palavras.
Sete meses se passaram e para alegria do Sr. Juan Gabriel, o duque de Madrid, enfim o mesmo teria seu sonho realizado. Naquele inverno eu daria à luz.
O palácio se encontrava a alguns quilômetros de Madrid e cumprindo as ordens do duque uma parteira fora chamada, mas a mesma se atrasou, o cavalo se acidentou e impediu sua chegada. Curiosamente meu bebê não desfrutava desse tempo, fora um parto difícil, ele morreu segundos após o nascimento, felizmente essa pobre alma se livrou do ninho de cobras que é sua família.
— Já disse que me arrependo amargamente de ter me casado com vos, Sra. Victoria. — Gritou o duque na porta do quarto.
— Já lhe disse que desfruto do mesmo prazer de vos, sua graça. — Ousadamente não entendo como o enfrentei e não sei de onde brotou tanta coragem como naquele dia.
Juan Gabriel brincava com o rei e sonhava em ser seu representante na colônia da Nova Espanha, tolo homem, não sabia que estava rumando para uma armadilha de seus inimigos. Ao meio-dia ele retornou coberto de esperança e disse ter novidades.
— Vamos partir para o novo mundo, minha duquesa. — Revelou sorridente como se um sorriso pudesse esquecer toda uma jornada de sofrimento.
— Para à América, vossa graça? — Perguntei incrédula.
— Isto mesmo, Victoria, ao novo mundo e adivinhe?
— Brasil. — A resposta saiu espontaneamente.
— Muito melhor... — Sorriu. — Cidade do México. — Vossa graça está diante do futuro vice-rei da Nova Espanha. — Revelou todo convencido.
Ele bebeu, ele festejou, ele simplesmente esqueceu minha existência. Já não dormíamos juntos há muito tempo, no princípio uma brisa de paixão cobriu nossos corpos, mas aos poucos conheci sua verdadeira face e amargamente me arrependo. Ouvir seus gritos de prazer não me afeta, afinal, nunca nos amamos. Querido diário conceda-me um minuto de felicidade.
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Açúcar: Um Amor Real/ Livro 1 da série Açúcar.
Historical FictionVamos conjugar o verbo trair? Eu traio. Tu trais. Ele trai. Nós Traímos. Vós traís. Victoria e George traem muito. Saiba mais dos babados imperiais em Açúcar: Um amor real. No Brasil do século XIX, Victoria, regressará ao seu país como duquesa de Ma...