Poesia Diversa 3: memórias de um poeta sem nome

condicional

Fui, durante muito tempo,
um viajante
olhando os quatro cantos do mundo
em busca de certezas

Anos se passaram
e eu
apesar de não desistir totalmente
de minha ambição
aprendi com o tempo
um dos fatos mais óbvios
que permeia a vida dos humanos

A vida é incerta
e não é adepta ao modelo binário
de pensamento

Sim ou Não
Amor ou Ódio
Felicidade ou Tristeza
Guerra ou Paz
Vida ou Morte
Eu ou Você

Esses extremos não são
as únicas opções que temos
para escolher
há mais coisas dentro de nós
do que se pode conjecturar
e é por esse mesmo motivo
que elas ficam no interior
pois não há espaço no universo
que seja suficiente
para comportá-las

Tantas dúvidas
tantos detalhes
tantos pormenores
que carregamos no peito
e o peito de um poeta
é tão carregado
que o obriga a expirar o que abriga
em palavras negras no branco do papel

Se houvessem respostas para a origem da vida
ou o propósito da vida
ou qualquer coisa que afetasse nosso ser
valeria a pena continuar a viver?
Ou os objetos e pessoas desbotariam aos nossos olhos
e ficaríamos chatos e irritantes
já que saberíamos tudo que queríamos saber?
Saber tanto vale mesmo a pena?

Se pudesse existir, em qualquer realidade
alguma certeza definida e constante
na qual se poderia confiar cegamente
Ou ainda, se ela de fato existe
e não a conhecemos por ora
qual a utilidade de conhecê-la?
Prender-se a ela, possivelmente
Nortear-se a partir dela, provavelmente
Fazer bom uso, dificilmente

Se eu pudesse
Eu me ateria a uma certeza absoluta?

A resposta ainda é dúbia
mas sempre faço-me convencer
de que é o desconhecimento
a força motriz das pessoas

A capacidade de criar hipóteses
e imaginar e contestar e questionar
e condicionar
é fascinante

Condicionar:
palavra delicada de se trabalhar
tanto num poema quanto em vida real
traçar limites, regular a existência
fechar possibilidades, reduzir perspectivas
pode parecer forte
- e é, às vezes -
mas tudo depende daquilo ao que se condiciona
como estou condicionando este texto
a este tema não tão limitado

Como conclusão das minhas viagens
de tudo que vi, ouvi e senti
percebo que tudo está, de algum modo,
condicionado
mesmo o passado, inalterável por natureza
está sujeito à nossa interpretação
dos fatos transcorridos
e o presente, então
é a maior das condicionais que poderíamos ter
e é também um grande benefício
pelo fato de termos o controle, ainda que parcial,
sobre o que ele será quando reduzir-se a lembranças
vivemos uma indefinição

E por favor!
Apenas porque eu tenho experiência
não venham me chamar de senhor das certezas
afirmo veementemente que sei ainda menos que Sócrates

Afinal
se eu tivesse certeza de algo
não estaria escrevendo sobre isso.