O discurso do homem solitário

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Nota: não vou me esconder em personagens. O protagonista deste texto sou eu, o próprio Guillermo Coppola. Preciso ser sincero com os outros e, acima de tudo, comigo mesmo.

Não me sinto hábil para pensar, com a precisão desejada, acerca de minhas razões que levaram à notória e contínua reclusão na qual me encontro. Isso se deve, em parte, ao fato de que meus pensamentos, enquanto vivem no plano abstrato, são deveras imprecisos, não me permitindo explorá-los a fundo, tampouco me é concedida a análise de suas causas e efeitos mais inconscientes. No entanto, a mera passagem da minha imaginação turva para a tinta nítida da caneta sobre a palidez do papel torna minhas divagações mais próximas e tangíveis. Sob as vestes das palavras, abre-se a possibilidade do estudo meticuloso daquilo que reside em mim. Mesmo não querendo citar elementos da vida pessoal e da personalidade, é impossível não colocar um pouco de si mesmo na mais simples das palavras por mim despejadas no alvo mar de páginas que me cerca. Provido dessa capacidade analítica oriunda da escrita, ponho-me a redigir incontáveis frases, menos para meu deleite com a tarefa e mais para a tentativa desesperada de alcançar o autoconhecimento - um autoconhecimento tão bem guardado pelo coração e tão incrustado nos lugares mais abissais do espírito que precisei recorrer ao isolamento total e impenetrável. Possivelmente, deve ser por isso que decidi escrever sobre o próprio isolamento. Desde que iniciei o "experimento", minhas impressões sobre as circunstâncias nas quais me encontro têm variado muito, tanto para uma visão positiva quanto negativa. Portanto, julgo uma atitude inteligível - quiçá óbvia, ainda que de obviedade inicialmente imperceptível - tentar narrar o inenarrável; falarei, logo abaixo, de minha solidão.

Uma parcela de mim acredita fortemente que fui enganado, traído pelo próprio cérebro e pelas próprias decisões - e que pesadas decisões! Seguem-me amiúde, a todo instante e em todo lugar. Falo da hipótese de uma traição porque vi, no começo, uma solução em meu exílio voluntário. Na verdade, devo ser franco (especialmente porque não há maior criminoso que um cadáver enterrado com suas mentiras e blasfêmias mundanas do mundo dos vivos. E, sempre que me olho no espelho, percebo pequenas sutilezas imaginárias, como o contraste de minha pele com a madeira de minha sepultura). Eu realmente acreditava que um período sozinho me era necessário. É preciso reconhecer que o convívio social nem sempre traz resultados benéficos, em particular quando se deve suprimir o individual para agradar ao coletivo. Pois isso é, essencialmente, o viver em sociedade. Devo acrescentar, a título de compreensão, a minha desavença com supressão mencionada. Na maior parte das vezes, mascarar aquilo que costumo ter aberto é trabalhoso e requer considerável esforço de minha parte. Reconheço, de fato, que existem certos pontos - e certas vírgulas e interrogações também - que não podem ser expostos a qualquer um. E eu enfrentei sérios problemas nesse específico aspecto. Frustrado por isso, minha sociabilidade foi definhando, faminta. Porém, eu não tive a menor intenção de revivê-la; provavelmente, essa foi a minha derrota maior para a desesperança. Com o tempo, cresceu dentro do meu ser uma inconsequente intolerância ao mundo externo. Contribuíram para o crescimento de minha aversão alguns certos incidentes que tive com pessoas com as quais compartilhava meus acontecimentos diários e expunha meu lado vulnerável. Tais episódios conflituosos decerto poderiam ter visto melhores desfechos, mas o Tempo, assim como a Morte, é uma força imparável. Embora cada desentendimento, por si só, não carregasse consigo gravidade suficiente para me levar à loucura, a soma dos sucessivos infortúnios pelos quais fui golpeado pôde me subjugar com indescritível facilidade. Antes de prosseguir, entretanto, gostaria de esclarecer a minha parcial, se não total culpa nos eventos que me trouxeram até esta deplorável condição. Não quero que nenhum traço de vitimização escape da aniquilação completa, pois sou ciente de minhas atitudes, ainda que sob o efeito entorpecente do desconforto social.

Pelas razões diversas sobre as quais discuti, decidi optar pela reclusão, no intuito de sanar o que quer que fosse meu problema. A princípio, experimentei uma nova e muito boa sensação. Sempre estive solitário no plano psicológico, absorto nas mais variadas ponderações. Contudo, a real solidão agora fazia-se presente nos dois universos. Era um cálice do qual eu havia bebido muito pouco e, naquele momento, estava diante de uma enorme fonte do mesmo líquido. Como meus erros são mais frequentes do que meus próprios batimentos cardíacos, fui até a fonte e me embriaguei de solidão. Sei que, a partir do ponto onde estou, meu destino é inalterável, mas ainda me pergunto como fui tão estúpido para agir de tal forma. Depois de haver mergulhado nas águas do exílio, e delas bebido dia e noite incessantemente por duas semanas a fio, fui invadido pelo Nada em pessoa. Aqueles foram os momentos de maior ebriedade em toda a minha vida. Instaurou-se um silêncio magnífico, suntuoso - diria até mesmo viciante. O silêncio mais alto que já ouvi. Eu não escutava absolutamente nada: nem a rua, nem a vizinhança, nem meus passos e nem a respiração. A única evidência de minha vida eram quando eu me olhava no espelho e fazia movimentos aleatórios, só para certificar-me do meu estado. Nunca senti tanto contentamento como naquelas semanas iniciais. Vez ou outra, desejo regressar até elas e vivê-las de novo. Mais frequentemente ainda, desejo que elas nunca tivessem existido. Sim, é uma contradição digna de um espírito barroco. Caso essas palavras não tenham sido o bastante para fazer o leitor compreender, talvez o próximo parágrafo o seja, pois relatarei os dias subsequentes.

Poesia Diversa 3: memórias de um poeta sem nomeOnde histórias criam vida. Descubra agora