faz tempo que tento acabar com algo
com o hábito incorrigível
de escrever sobre você
mas...
(sempre tem um mas)veja, há tantos textos para escrever
tantos temas para escolher
tanta inspiração para vir
existe tanto a se criar
e ainda assim eu teimo em não largar mão
do hábitoacho que algum dia você vai entender
ou talvez já tenha entendido
mas amor é sofrimento
e sofrimento é poesia
- tudo é poesia, aliás -
e em pessoas como eu
poesia também é amor, e portanto
sofrimentoentende, agora, o hábito?
não? tudo bem, é difícil me explicar em versos
se você não é capaz de interpretar o significado dessas linhas
temo que nada mais seja
nem mesmo eueu já tentei me livrar disso algumas vezes
não é fácil
tem sempre o dilema do último;
o terceiro ou quarto poema sobre você
era para ter sido o último
assim como foram classificados o quinto, o sexto...
mas esse será, assim como todos são,
o último poema sobre você
e a minha crença nisso é tão forte
quanto inútil
o último, o último, o último!
será tão difícil assim?talvez isso soe como uma resposta
quem sabe seja mesmo uma resposta
mas quero que seja vista como uma obra por completo
algum dia você possa pegar um hábito igual ao meu
ou parecidoe se pegar
ou quando pegar
esteja pronta:
o primeiro verso pode ser inocente
o segundo, um pouco mais afetivo
e assim seguem-se os dias
e as folhas cada vez mais são divãs
aí é onde fica o berço desse vício poético
um poema não será suficiente
nem dois, nem três, nem dez
e lhe faltará papel para escrever tudo que gostaria de dizer
seja para mim ou para si mesmaoutro poema
mais um
e outro ainda
cada palavra dita, um verso
cada pensamento escondido, uma estrofe
cada sentimento enterrado no subsolo do coração, um livro
os dísticos viram quartetos que viram sonetos que viram Lusíadas- arranjem-me mais tinta! não acabei, preciso de mais
tempo e inspiração e papel
eu tenho... tenho o papel, isso
é o bastanteagora sabe por que eu levo a vida dessa maneira?
é uma necessidade, é uma obrigação
e acima de tudo um vício
pela sensação de poder, de controle, de posse ou qualquer que seja o nome dessa coisa
depois que o indivíduo toca o papel com a caneta
parar é quase impossívelno fim das contas, tudo é nada
e tudo é só uma palavra de quatro letras
do vazio e da falta, as mais belas coisas podem ser criadas
posso citar grandes nomes, mas não preciso
você sabe que é a mais pura verdadee eu já desisti de fazer um último poema sobre você.
porque tenho essa mania de nunca achar o que faço
suficiente
seu nome pode desaparecer de todos os lugares
mas é só
virar a páginae você ainda estará lá
em mais um poema.e se crerem que o último é aquele que eu escrevi antes de morrer
enquanto eles se confortam com essa certeza
meu cadáver estará ocupado
redigindo mais palavras nas paredes do caixão
e quando não houver mais espaço na madeira
minha alma passará a escrever seus poemas e contos
em um outro lugar
distante daquie você ainda estará lá
junto com milhares de outras coisas minhas
e Deus dirá: essas coisas não são lá de baixo?
e eu direi: são, sim. Eu é que tenho a cabeça na Terrao último não existe
mas eu digo
este será o último poema sobre você.
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Poesia Diversa 3: memórias de um poeta sem nome
PoesíaOs poetas têm um poder: eles imortalizam tudo o que quiserem. No entanto, sua habilidade não tem nenhum efeito no mundo real. Logo, estão todos suscetíveis à morte, ainda que seus cadáveres sobrevivam em suas páginas. No terceiro e último Poesia Div...