apatia voluntária

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levantem a mão
aqueles de vocês
que já se sentiram traídos
por suas emoções
sejam sinceros, não se envergonhem
ser golpeado pelo próprio coração
é mais comum
do que se pensa

agora que não há mais pessoas
com as mãos abaixadas
convenhamos que, às vezes,
emoções não deveriam existir
nada de tristeza
nada de felicidade
nada de sentimento
apenas o racional
e nada mais
e com isso,
o bom funcionamento da sociedade

seres maquinários
orgulhosamente esbanjando
a maior das objetividades
concisamente programada
em seus protocolos internos
de aspereza

e a voz de entonação constante
impecavelmente modulada
a um dialeto frio e imparcial
sem a mínima variação
de excitação ou pesar
uma comunidade insensível, porém harmoniosa
não seria belíssimo?

aos que se interessam
pela hipótese criada por mim
darei uma breve lição
de indiferença

este procedimento doerá
e para isso não há escapatória
pois é preciso abdicar de muito
para se ter o nada
uma overdose de sentimentos
é o pré-requisito básico
para sua completa eliminação

de início, afaste-se
de tudo e todos
e sinta-se acompanhado
apenas de si mesmo
perceba-se embebido em solidão
e conversem, vocês dois
ela tem os melhores caminhos
para se chegar a esse objetivo

"o que os olhos não veem, o coração não sente"
diz a célebre frase
digo eu, seu guia,
que está errada
ainda que os olhos não vejam
podemos ainda sentir
e sentir forte no peito
umas dores veladas e silenciosas

comecemos pelas coisas boas
que são as mais frágeis
concentre tudo de positivo em sua memória
num ponto pequeno da mente
e em seguida
rabisque.
rasure.
apague.
delete.
elimine.
destrua.
esqueça.

força; vamos, você consegue
esforce-se apaixonadamente para isso
cometa este crime passional
que é assassinar sua paixão
seu amor, sua alegria
renda-se ao homicídio doloso
do esquecimento de sua culpa
na falta de escrúpulos, a apatia
é algo muito mais aceitável
e torne-se um genocida
de seus sentimentos

limpe sua mente
dos grotescos resquícios emocionais
faça uma varredura e os remova;
não se esqueça de esquecer os cantos
o rodapé
atrás dos móveis
para não sobrar nenhuma
dessas asquerosas pestes

evite novas invasões sentimentais
dessignifique seus sentidos
use-os apenas como ferramenta
para a obtenção de dados
ignore o toque suave das mãos
o gosto doce do beijo
o cheiro tranquilo do perfume
o som reconfortante da voz
a visão maravilhosa do rosto
esqueça-os;
suas mãos, olhos, ouvidos, boca e nariz
agora nada mais são
que sensores para indicar precisamente
sua posição no espaço
somente

é um processo longo
e doloroso
quase automutilante
no entanto, você verá:
tudo sumiu
e não restará nada
a não ser a informação bruta
e o pensamento racional.

Poesia Diversa 3: memórias de um poeta sem nomeOnde histórias criam vida. Descubra agora