Dedico o texto da vez aos leitores, em especial aos que me acompanham desde os primórdios. É claramente notável que eu tenho desenvolvido, cada vez mais, meu caráter pessimista e melancólico, e o exponho gradualmente através de meus escritos. Para mim, a cada capítulo percebo que me censuro e me preocupo com esse aspecto cada vez menos; afinal, de que me serviria a escrita senão para gozar da mais subjetiva e individual liberdade que me dão as palavras, ainda que no campo da imaginação e do pensamento? Portanto, estou em processo constante de libertação no âmbito da poesia e, sobretudo, em suas várias facetas. Qual dos lados eu deveria enaltecer mais é uma questão da qual me desprendo diariamente, posto que sem ela a espontaneidade tem mais espaço para se proliferar. Parece, entretanto, que muitos dos leitores, ao lerem meus textos de estreia, consideram-me um autor de temáticas mais suaves, sutis ou ainda comuns. De fato, essa atitude iria levá-los a uma conclusão precipitada, e à errônea, porém justificada, ideia de que eu apenas dissertaria, em minhas obras, dos temas mais leves já citados. Devido a esse motivo, venho aqui fazer a minha defesa.
Eu estaria mentindo se dissesse que mantive inalterado meu estilo. Mesmo porque é algo impossível de se fazer. Ocorre que, enquanto mais jovem e inexperiente naquele ramo tão belo e promissor para mim que era a poesia e a prosa, segui caminhos usuais e bastante frequentados. Não é preciso um grau elevado de inteligência para notar que, ao fazer um bolo pela primeira vez, a alternativa mais sensata e segura é seguir a receita à risca. De mesmo modo, há padrões e temas que todo escritor, ou quase todo, utiliza para dar sua primeira contribuição ao universo das palavras. Principalmente pelo fator de segurança, meus escritos iniciais tocam em assuntos muito vistos entre os dias atuais, já que há muita coisa que pode ser dita sem se ter a necessidade de uma vasta experiência. Em adição a isso, havia uma autocensura que impus ao meu trabalho. Com uma inocência daqueles que costumam tocar o papel apenas a lápis, para não verem expostos seus erros inevitáveis, evitava desviar minha atenção para conteúdo, digamos, inortodoxos. Qualquer coisa que saísse muito da pequena esfera que estabeleci sofreria a ação da temível borracha.
Isso me custou alguns textos, é claro, mas considero válido tê-los perdido como o preço a se pagar pela lição que aprendi: desde então, tenho emancipado meu lado escritor dessa opressão, ao menos em relação ao assuntos abordados. Julguei e julgo absurdo privar-se de falar, no papel, de qualquer assunto, posto que é algo que fere a sinceridade. Se não se pode falar de toda espécie de coisas na poesia e na prosa, onde mais se pode falar? Para muitos de nós que somos lidos - e fazemos isso com a ânsia de alcançar as pessoas e suas mentes -, o escrever é, antes de tudo, a saciação de nossas necessidades psicológicas; sejam elas para a amenização de uma tormenta ou para a exploração de um sentimento deleitoso. Sofrer e derramar lágrimas no caderno em que se escreve um poema sobre uma perda. Excitar-se pela narração de uma estória relacionada a uma fantasia que temos e contá-la com um entusiasmo inabalável. Em ambos os casos, pode-se esperar textos que prendam a atenção do leitor, e é precisamente nessas sessões de profundo interesse em que encontramos as melhores obras - produzidas com um carinho e um cuidado impecáveis, laboriosamente polidas com a paciência de um monge, trabalhadas numa arte-final digna de uma obra-prima.
Agora que foram feitas essas considerações, as quais serão importantes para a compreensão de minha defesa, posso partir para o ponto principal: a minha mudança. Quando primeiro me aventurei pelos campos dos poemas e montanhas dos contos, eu dava passos pequenos e receosos. Era um terreno deveras vasto, diverso, com muitas possibilidades. A amplitude do lugar atordoara-me, deixava-me confuso por vezes. Por onde devo começar? A pergunta se repetia dentro de mim, e se repetiu durante muito tempo. É provável que eu diga muito frequentemente essa informação, eu não sou a melhor pessoa para inícios. Preferi manter-me dentro do raio curto que a vista alcançava, e lá acampei. Minha exploração era, e ainda é, a meu ver, semanticamente diversa, isto é, os significados de uma mera palavra me são multiplicados ao trabalhá-la em um texto. Contudo, carecia-me uma vastidão de assuntos, matérias-primas com as quais poderia fabricar coisas que nem imaginaria ser capaz de produzir.
Eis que hoje me encontro livre dessas amarras invisíveis. Com certa experiência acumulada e já familiarizado, ainda que ciente apenas de uma pequena porção, com o terreno da literatura, permiti-me, por fim, vagar despreocupado pelas planícies, alpes, rios, depressões e outras variedades de sítios. Talvez tenha sido a melhor decisão que tomei em minha vida poética, desde que a comecei. As opções são infinitas e a beleza é de trazer lágrimas aos olhos. Não é, de maneira alguma, uma sensação descritível em palavras, mas para fazer uma comparação visual, é semelhante a subir a uma montanha ou monte e contemplar a vista com a plenitude da paisagem à sua frente. Fazendo uma comparação filosófica, seria como libertar-se das correntes da caverna de Platão e descobrir a realidade verdadeira que sempre esteve ao alcance, apenas precisou de um impulso.
Sem mais preocupações secundárias, posso me dedicar de corpo, alma e caneta ao que faço. Talvez seja por isso, aliás, que tenho mais facilidade para escrever hoje em dia do que há anos. Essa minha alteração não foi instantânea, e os leitores assíduos podem facilmente identificar uma mudança significativa com o passar do tempo, não na essência, mas na forma. Cada vez mais a negatividade foi ganhando espaço, e com ela outros elementos semelhantes sentaram-se à mesa de minha obra: a decepção, a indecisão, a insanidade, a morte. Para alguns, pode ser uma cena contrastante demais com as minhas origens, mas eu tive tempo suficiente para fazer minha escolha; e eu escolhi fazer companhia aos poetas melancólicos e escritores infelizes.
Não quer dizer, no entanto, que estou fadado a permanecer na escrita sobre tristeza e desespero para toda a eternidade. Como todo ser humano, sou mutável, mas acima de tudo, escrevo sobre o que tenho vontade de escrever, e somente desse modo posso escrever com aptidão suficiente para me classificar como escritor. Mesmo agora, falo sobre isso não por sentir necessidade de me defender, mas porque simplesmente tenho vontade de esclarecer o que me levou a isso. Sinto muito frequentemente que sou menos um criador e mais um intermediador de minha própria inspiração, e esta é incontrolável para mim.
Ela não tem muita afeição pelo comum ou pelo "bonito", pelo que é feito para agradar uma massa crescente de pseudo-românticos contemporâneos. Não faço meus versos para que sejam elogiados por passarem uma mensagem feliz. Em muitos casos, a mensagem passa distante de algo positivo. Meus contos e poemas são uma síntese bruta de meus sentimentos e da necessidade que tenho de libertá-los de seu confinamento em meu coração, e não pressuponho que qualquer positividade seja esperada do que escrevo. É óbvio que pode haver alguma, de fato, mas isso não é um requisito. Poesia não tem a menor obrigação de ser agradável para ser categorizada como tal. Se escrevo melancolia e sofrimento, existem aqueles que leem melancolia e sofrimento e, numa relação recíproca e natural, seremos íntimos amigos.
Considerem-me um mau poeta ou um mau escritor, mas não há quem me tire a liberdade de escrever no papel a primeira palavra que vier em minha mente.
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Poesia Diversa 3: memórias de um poeta sem nome
PoesíaOs poetas têm um poder: eles imortalizam tudo o que quiserem. No entanto, sua habilidade não tem nenhum efeito no mundo real. Logo, estão todos suscetíveis à morte, ainda que seus cadáveres sobrevivam em suas páginas. No terceiro e último Poesia Div...