Cap IV - Ressaca, doce e amarga

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Minha cabeça parecia ter vida própria. Levantei ao meio dia quando Dona Ana, preocupada, me acordou querendo saber como eu estava. Menti e disse que estava bem. Saí do quarto já era quase duas. Encarei o sol com cara feia. Sentado no terreiro tomei muito suco, enquanto tentava escreve ao menos o prefácio do meu artigo. Foi impossível, minha mente só tinha um foco. E a situação piorou quando o vi se dirigir a mim arrastando o Lampião.
— Dormiu bem patrão? — Perguntou ele aparentando saúde. Enquanto eu escondia meus olhos de zumbi por detrás dos óculos, Jasão intimidava como um ator de seriado americano bem pago. — Nem vi a hora que você se foi ontem.
— Pouco depois de você dormir. _— Era pra soar como zoação.
—Está ocupado?
— Não, porquê?
— Esse garotão aqui quer se desculpar. _ — Jasão puxou o cabresto do bicho e este pareceu fazer uma reverência. Eu ri aceitando as desculpas.
— Cachoeira?
— Sim, e trotando como senhoras.
— Te encontro em cinco minutos no estábulo.

Amarramos os cavalos antes da trilha ficar fechada. Fizemos o percurso em silêncio. Era incrível como, com poucas palavras, a companhia daquele sujeito era tão boa. Seu ar confiante e melancólico configurava nele um personagem cativante de um romance de mulherzinha. E eu estava gostando demais daquele diabo. Equilibramos-nos sobre o caminho pedroso até chegarmos ao poço mais fundo da cachoeira. Desde a noite passada, onde conheci os pé de Jasão, eu só conseguia imaginá-los dentro daquelas botas. Ele foi o primeiro que começou a se despir. Desabotoou a camisa e descalçou a bota. Sem timidez algum baixou as calças e ficou apenas de cueca e meias. Eu fiz o mesmo, mas permaneci de short. Ele por fim tirou o par de meias brancas e sentou-se na beira da água gelada. Eu sentei ao seu lado. Sentia-me intimidado por sua figura imponente ao meu lado. Como um incendiário, que teme a adora ao fogo.

— Nunca vi essa água morna. É só desse jeito pra mais fria

— Realmente ta muito gelada. — Estávamos sentados sobre uma pedra onde o sol incidia e nos aquecia. Nossos pés eram os únicos que tocavam a água tilintando.

— Confere mais de perto. — Falou ele me empurrando para dentro do poço. Não tive nem tempo de rasgar um palavrão. Senti somente a água congelante me dominar. Permaneci debaixo da água pelo Maximo que pude. Pelo espelho embaçado que surgia sobre minha cabeça eu podia vê-lo procurar por mim. Deduzi que estava preocupado com a minha demora. Resolvi me esforçar e esperar mais até que ouvi a água se agitar e o vi nadar a minha procura. Emergi dando uma gargalhada e encontrei seu olhar de preocupação se transformando em alivio.

— Fria , néh? — Constatei enchendo o punho de água e jogando em sua cara. Dessa vez foi ele quem mergulhou, e por quase dois minutos me deixou naquele suspense. Aonde ele apareceria? Foi logo atrás de mim que ele surgiu e laçou um jato de água. Ficamos naquela brincadeira até o sol se esconder e o frio se tornar insuportável. Saímos da água juntos. Ele parecia apreciar o vento gelado roçar em seu peito, e quanto a mim, estava encolhido e tinha toda a minha pele arrepiada. Ele me encarou e riu.

Vestimos as respectivas roupas e ele insistiu que eu aceitasse sua camisa. No caminho de volta eu resolvi tomar uma iniciativa que surpreendeu até mim.
— Sua namorada é dessa região?
Ele bufou como se estivesse debochando de mim. Respondi alteando a sobrancelha demonstrando confusão.
— Eu não tenho.
Como aquilo era possível. Fiquei de queixo caído.
— Acho que eu não faria bem à ninguém. — Falou ele mais para si mesmo que para mim. Não podia acreditar que aquele cara não tinha nimguém. Lindo, gentil, boa pessoa. E quanto a mim, chato, mimado e birrento, tinha varias, e vários. — E a sua? Porque não te acompanhou? — Percebi que aquela pergunta não era só por educação, uma leve duvida a fundamentava.

— Estou aqui justamente me escondendo dela. — Menti.
— Sábado vai acontecer o levantamento de uma bandeira em pinheiros. Festa arretada de boa. Nós vamos lá procurar algo.

Meu primeiro mestre [+18]Onde histórias criam vida. Descubra agora