[Cap. IX] - Companheiro é companheiro !

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Eu acordei lá pelas seis horas sentindo o amargo gosto ressaca que me perseguia. Olhei pro relógio em meu pulso e implorei para que não tivesse me atrasado e ao mesmo tempo para que tivesse tempo para um cochilo rápido. Mas não deu. Coloquei o pé direito primeiro e senti o chão gelado debaixo da minha sola. Olhei para janela e vi que a chuva havia dado um tempo, mas parecia logo querer voltar. Fui até o banheiro e após um banho preguiçoso, vesti uma camisa de manga comprida, uma calça, arrumei uma mochila com algumas coisas que pensei serem úteis e calcei a bota que Jasão havia me emprestado. Passar o dia com ele era a única idéia que me forçava a abandonar a cama naquela hora e naquele tempo. Tomei o café que dona Ana já havia posto sobre a mesa, e ela me entregou duas marmitas. Fez inúmeras recomendações, e rezou uma prece. 

Saí de casa e o cheiro da manhã úmida me fortaleceu, e de maneira milagrosa afastou o sono inconveniente que ainda me assolava. Cheguei ao estábulo e ele já havia arreado os dois cavalos e agora amarrava algumas capangas Ao lado da cela do Bárbaro.

— Bom dia! — Me aproximei tentando fingir imponência.

— Dia.— Respondeu ele em um ato. Corri os olhos por seu corpo e senti mais vontade de me perder com ele por aquele matagal. Usava uma camisa vermelha de xadrez preto. Uma calça surrada e por cima uma perneira, A bota clássica e manjada nos pés, e o chapéu sobre a cabeça. — Então você acordou de verdade. Achei que estivesse me iludindo.

— Sou homem de palavra.

—É um moleque de palavra. — Acentuou ele apertando o laço da cela. — Pronto? Sabe que não é um passeio néh?

— Tranqüilo.— Respondi ciente de que não era realmente um passeio, mas eu estava disposto a navegar no mar do inferno, desde que fosse ao lado dele.

Montamos e saímos do estábulo num trote gostoso. Os cavalos pareciam se entrosar, assim como eu e Jasão, que apesar de conversar pouco, fazia cada segundo ao seu lado, valer mais que tudo que o dinheiro do meu pai poderia me comprar. Uma garoa começou a nos molhar. A poeira de água gelada parecia chegar até meus ossos. E enquanto me encolhia, via Jasão manter a postura normal. Parecia ser feito de aço.

— Frio? — Perguntou ele.

— Da pra agüentar. 

— Você pode se gripar, não prefere voltar? Ainda da tempo. — Falou enquanto cruzávamos um capão debaixo da cortina fina de chuva.

— Não se preocupe cara, não sou nenhuma criança. Sei que agüento.

— Pode deixar, não vou mais me preocupar. — Disse ele voltando a atenção pro cavalo, e eu me senti um soco da minha consciência. A preocupação que Jasão tinha por mim era algo que nunca tive na vida. Não era aquela coisa mecânica e super-protetora que vinha da minha família. Nem movida por interesse como a maioria dos meus amigos. Era sincera, era de homem para homem, ou moleque, que era como eu vinha me portando.

Ficamos mais alguns minutos cavalgando na companhia do silencio que eu havia causado. 

— Tem fome? — Disse ele me surpreendendo, e voltando a se preocupar de uma maneira natural.

— Um pouco, mas a comida deve estar gelada. 

— Bem vindo ao mundo dos trabalhadores. — Disse ele freando o bárbaro embaixo de uma árvore de copa vasta. A chuvinha havia parado, mas sentia ainda meus ossos tilintarem.

Jasão apeou e amarrou o cavalo no tronco da árvore. Eu o imitei, mas quando toquei o chão senti minhas pernas repuxarem, e bambearem. A falta de preparo havia me deixado exausto. Jasão se aproximou com um olhar de que já previa o ocorrido. Tomou a rédea do lampião de minhas mãos e disse:

Meu primeiro mestre [+18]Onde histórias criam vida. Descubra agora