Cap III - Minha sorte, meu azar

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Com muito custo chegamos ao casarão. Jasão apeou e me ajudou a descer. Cogitou até me levar no colo para dentro de casa, mas o adverti para o exagero. Jasão gritou para um dos outros peões levar os cavalos para os estábulos e alimentá-los. Depois entramos na casa em busca de Dona Ana, mas o que encontramos foi um bilhete sobre a mesa da cozinha : Fabinho, fui fazer compras em pinheiros. Volto para fazer o jantar. Dª. Ana.

 A expressão que Jasão me olhou foi engraçada. Eu retribui com um movimento de “se quiser pode ir”. Mas ele não foi.

Jasão me ajudou a chegar até o quarto e me acomodou sentado na cama. Retirei a bota do pé que estava bom, e dele exalou um cheiro delicioso. Um mistura do meu chulé com o do peão. Ele pareceu não se importar. Quando tentei tirar a outra bota, me contorci de dor, ele então se aproximou. Com sua mão pesada segurou meu tornozelo e me encarou com o cenho franzido. Respirei fundo e já esperei pela dor. A medida que o cowboy puxava a bota a dor latejava e eu mordia o lábio. Por fim ele conseguiu retirar todo o calçado e eu suspirei de alívio. O cheiro subiu outra vez. Jasão saiu do quarto e me deixou lá sozinho. Enquanto me perdia em meus pensamentos ele entrou com um saco cheio de gelo.

— Se a Ana perguntar sobre a bagunça que esta na cozinha, diga que foi por um motivo de necessidade. — Concordei com um sorriso.

O homem arrancou a minha meia imunda e jogou no chão. Eu o observava com a boca semi aberta. Em seguida ele comprimiu a bolsa de gelo contra o meu pé. Aí eu já não agüentava mais. Meu cacete estava tão duro que conseguiu marcar a calça jeans. Jasão demorou a perceber o volume, mas quando o fez me fuzilou com um olhar indecifrável. Eu não tive reação nenhuma, apenas senti o gelo sendo descompresso da minha pele. Levemente se afastando e permitindo que doesse outra vez. Jasão saiu pela porta sem nenhuma palavra. Deixou-me ali. O quarto tinha seu cheiro. Minha alma tinha sua marca. Afundei-me no travesseiro e pedi a Deus que me protegesse. Era a única cosia que eu podia fazer.

Não sei quando peguei no sono, mas acordei na penumbra avermelhada do anoitecer. Ana havia chegado e já trocado minha bolsa de gelo sem eu perceber. Pude sentir o cheiro do jantar lá do quarto. Um copo de leite repousava em meu criado mudo. Bebi um gole, mas não consegui engolir. Afastei o gelo do pé e o toquei com os dedos. A carne esta dormente, não doía mais. Levantei-me e me arrastei como um zumbi até o banheiro. Foi um banho rápido.

Quando cheguei na cozinha Dona Ana já me esperava. Sentei a mesa e quis muito perguntar por que Jasão não estava li conosco, apesar de já deduzir a resposta. Comemos enquanto ela me fuzilava de perguntas sobre a queda. Ao finalizar voltei ao quarto e peguei as botas que outrora ele havia me emprestado e rumei para fora da casa. Com o peito cheio de ar e a alma farta de uma falsa confiança eu cruzei o campo, passei pelo estábulo e parei de frente a porta da casa do peão. O céu estava repleto de estrelas que ofuscavam a lua crescente. Uma brisa gelada correu pela campina e levou minha mão até a porta. Bati com o nó dos dedos e escutei por baixo do barulho dos grilos e sapos, um radio ligado.

Ouvi a porta ser destravada por dentro e meu coração parou por um segundo. Idiota, o que eu fiz? Ela se abriu com um rangido que rasgou o silêncio. Ele estava lá, parado na minha frente. Sem camisa, exibia o peitoral másculo. A mesma calça de mais cedo e a mesma bota. Na mão, carregava um copo de uma bebida escura que tinha um cheiro forte. Ele me olhou com o mesmo olhar indecifrável de mais cedo. Eu engoli seco e estendi as botas

— Vim devolver.

— Desistiu de cavalgar por causa de uma quedinha boba daquelas? — Perguntou ele, bebendo um gole do copo. — Pode ficar até quando quiser. — Senti que ele pretendia por fim à conversa. Seus dedos pousados na quina da porta estavam à fechá-la quando eu intervim.

— Vim também te agradecer. — Me odiei muito por ter feito aquilo. Logo eu, mendigando a atenção de um peão. Agora foi o meu ego falando.

— Não tem por onde. Não ia te deixar para trás mancando.

— Valeu mesmo. — Tudo que eu querida dizer, expressar saiu com aquela frase fraca e sem sentimento. Eu queria pelo menos um abraço, e descobri que ele era real, e que não me achava um estranho. Despedi-me com um sorriso amarelo e o dei as costas. Dei os primeiros passos pelo campo quando ouvi sua voz transpassá-lo.

— Você já jantou? — Parei e tentei não bancar o idiota. — Eu to fritando uma carne ali, e bebendo um pouco. Se não tiver mais nada pra fazer, e quiser me acompanhar. — voltei com a feição ainda seria e ele me deu passagem pela porta.— Acho que tenho um pouco de leite na geladeira, pra você.

— Leite pra mim? Só se for de onça.

Sentado na mesa da cozinha de Jasão eu esperava ele terminar de fritar o aperitivo. Ele revelou o que era a bebida e me serviu uma dose. Conhaque com mel e raízes. O primeiro gole é estranho, mas quando se acostuma, desce . Ao fundo o sonzinho a pilha, sintonizado em uma radio tipicamente especializada em musica sertaneja se intrometia em nossa conversa. Minha visão já estava meio turva quando me vi sentado na sala da casa do peão gargalhando por algum dos casos que ele contou mantendo a cara séria. Naquela noite eu descobri que Jasão tinha vivido demais para quem só tinha 25 anos. Descobri também sobre a moça da foto. O silencio de entre um história e outra fez com que eu me perdesse olhando para ela. Ele parecia tão feliz ali, mas agora um sorriso era algo tão raro.

— Linda, néh? — o encarei e encontrei seus olhos pesados e vermelhos por causa da bebida. — Minha irmã. — Uma sensação de alivio me deu um tapa na cara. — A única pessoa que eu tinha.

— Tinha? — Acredito que somente fiz aquela pergunta por estar alcoolizado. Estava nítido que aquele era um dos assuntos que Jasão não queria tocar.

— Sim. — Para minha surpresa ele respondeu com os olhos vagos. — Ela desapareceu nas correntezas de um rio.

Não foi difícil perceber que ele se culpava. Tentando mudar de assunto enchi meu copo e em seguida o dele. Alteei o meu e ele fez o mesmo. Enquanto bebi um pequeno gole que meu estomago quase rejeitou, ele virou tudo de uma só vez. Depois desse foi outro, e depois outro, até que me preocupei e peguei a garrafa. Levei-a para a cozinha e quando voltei o encontrei desacordado no sofá. A boca semi aberta soltava um leve ronco. Achei graça.Tentei pensar no que fazer, e por incrível que pareça fui racional. Derrubei-o no sofá e estiquei-lhe as pernas. Observei um volume entre suas pernas. Quase fui traído pela minha moral. Corri meus olhos por aquele homem e junto ao tesão, eu senti pena dele. Fui até seus pés e segurei-lhe as botas, ele sequer se mexeu. Destravei a espora e a descalcei com cuidado. Nem preciso dizer como eu estava, ne? Jasão usava uma meia social azul marinho. O cheiro incendiou o local. Meu pau quase rasgou a cueca. Toquei levemente aquele pé coberto por aquela camada fina de tecido. O segurei como um sacerdote que segura um item divino. Descalcei a outra bota. As meias estavam suadas e pregadas em todo o pé do peão. Levei minhas mãos até o nariz e senti aquele cheiro. Resolvi passar um pouco além da cortesia. Com cuidado descalcei as meias e me vi de frente aqueles pés. Seus dedos eram compridos, e o dedão longo tinha o formato quadrado. Enorme e com as solas largas. Um pouco de pêlo brotava do peito e sobre os dedos. Parecia ter sido feito a mão por um deus podólatra. Não sei o que me segurou, nem sei porquê me contive. Apenas saí da casa e bati a porta deixando aquele sonho para trás. Caminhei encolhido pela escuridão gelada da madrugada até o meu quarto. Dormi, e com certeza sonhei com Jasão.

Meu primeiro mestre [+18]Onde histórias criam vida. Descubra agora