Capítulo 2 - Exercício ou masoquismo?

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Eu odeio mentir, de verdade. As piores coisas da vida podem acontecer quando você mente, eu tenho experiências próprias para confirmar isso. Sem falar que mentir pode causar um pequeno vício também, você fica tão imersa na sua teia de mentiras que não consegue parar, uma mentira sempre leva a outra.

Esse é o principal motivo da minha aflição quando eu vejo que minha mãe está me ligando exatamente no momento em que estou mais abalada com a provável perda eterna dos rubis. Eu não posso atender esse telefone e fingir que tudo está bem enquanto estou me desmanchando em lágrimas e sem perspectivas.

Então, a atitude mais racional nesse momento é pegar o telefone e mandar a minha melhor amiga atender e mentir por mim. Vai dar tudo certo.

- É a minha mãe, você vai ter que atender – peço para ela enquanto pego o celular e dou para ela atender.

- O quê? Eu não posso fazer isso – ela responde – O que eu digo?

- Eu não sei, diz qualquer coisa – eu começo a implorar. – Você me deve um favor, lembra?

Na semana passada, a Gabi achou que seria um máximo faltar uma semana de aula para "relaxar no litoral" com alguns amigos igualmente irresponsáveis. Óbvio que os pais dela nunca iam permitir essa loucura e é óbvio também que ela tinha um plano perfeito para poder se safar. Ela me fez ir na casa dela e dizer para os pais que nós íamos para um evento nacional de comunicação, e eles acreditaram sem pestanejar na "amiga responsável da filha". Eu me senti péssima por mentir dois segundos depois.

- Esse foi um golpe muito baixo – ela diz e atende o celular logo depois. – Oi, Tia Cláudia! Como vai a viagem?

Uma das partes boas de ter uma melhor amiga durante anos é que ela acaba tendo uma relação muito próxima com sua mãe também. Minha mãe adora a Gabi, ela sempre vem aqui em casa comer todo o bolo de chocolate que a minha mãe faz para mim desde que nós tínhamos 16 anos.

Eu lembro como se fosse ontem o primeiro dia que ela veio aqui em casa, nós combinamos de fazer uma maratona com os filmes inspirados nas obras de Jane Austen (para ser sincera, eu a obriguei a ver todos, ela é do tipo que ama filmes de terror). Minha mãe fez cookies para nós e a gente ficou conversando na cozinha durante horas, no outro dia a Gabi foi embora e se despediu da minha mãe a chamando de "tia". Desde esse dia, ela faz parte da família.

- Que bom que a senhora está gostando – ela responde com uma falsa animação. – A Catarina? Ela foi... buscar açúcar no vizinho.

Sério? Essa foi a pior mentira que alguém podia dizer, quem ainda pega açúcar no vizinho? E por qual motivo eu iria fazer uma coisa dessa? Eu vou matar a Gabi assim que essa ligação acabar.

- Dá para mentir melhor? – eu sussurro para ela e ela me manda calar a boca. Além de péssima mentirosa, é uma grossa.

- Por que eu estou sozinha na casa? Ah, é que ela foi... fazer... um bolo! Ela foi fazer um bolo porque é aniversário do filho desse vizinho e lá não tinha manteiga, como eu estava com ela, eu vim aqui pegar.

Tudo bem, essa com certeza se supera como a pior mentira. Minha mãe e qualquer pessoa que seja próxima a mim sabe que eu sou uma péssima cozinheira, eu mal consigo cozinhar um macarrão instantâneo sem o tornar intragável. Eu fazer um bolo seria tão impossível quanto o Hitler ganhar um Nobel da paz.

- Eu disse que ela ia fazer? Não, na verdade eu quis dizer que ela foi ajudar a mulher desse vizinho a fazer o bolo, sabe? Quebrar uns ovos, emprestar a manteiga – ela começa a fazer o que qualquer um faria agora: rir de nervoso.

- Eu vou te matar! – eu sussurro novamente.

- Levar o celular? É que não vai dar agora, sabe. O celular está descarregando, na verdade, já está quase desligando e faltou energia no bairro – ela responde conseguindo piorar a situação. – O aniversário vai ser à luz de velas, a mãe não quis ter que remarcar. Eu também achei bem estranho. Pode deixar, eu falo para ela. Tchau!

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