Capítulo 19 - Não é tão fácil

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Anos atrás, tudo o que eu queria era que um momento como esse acontecesse. Quer dizer, não exatamente assim. Poderia ter sido quando eu tinha seis anos e perguntava desesperadamente à minha mãe o motivo de todas as minhas terem um pai e eu não. Poderia ter sido no primeiro dia dos pais que eu me lembro, todas as crianças fizeram cartinhas e desenhos para os pais, enquanto eu desenha alguém que nunca vi na vida. Melhor ainda, ele podia estar lá quando eu nasci.

Não era para ser assim, no meio de um restaurante, com um gerente e cozinheiros achando que eu sou louca, enquanto eu o ameaço com um cutelo. Pelo amor de Deus, ninguém passou o memo para ele? Tinha que ser um momento mágico, em que eu realmente tivesse vontade de vê-lo. Nós íamos se abraçar e tudo ia ficar bem de novo. Simples assim. Nada disso é como eu imaginei. Além disso, depois de tanto imaginar, eu desisti. Tudo o que restou foram as mágoas.

— Vocês dois vão sair do meu restaurante agora! Isso aqui não é nenhum "Caso de Família!" — o homem, que devia ser o gerente, grita depois de finalmente me soltar e arrancar o cutelo da minha mão. Depois dessa revelação, milhões de pensamentos e sentimentos passam por mim de uma vez só e me deixam imóvel. Se alguém perguntasse o meu nome, eu não garanto que saberia responder.

Antes de eu ao menos tentar entender o que está acontecendo, me desculpar com o gerente e pedir para que o meu pai, por favor, pare de me seguir como se fosse um sequestrador, um movimento chama minha atenção. Vejo uma Gabi histérica correndo pelo restaurante indo em direção ao meu sequestrador, quero dizer, pai. Ela sobe em cima dele e dá cotoveladas na sua cabeça.

— Seu maldito! Você não vai machucar minha melhor amiga — ela grita com fúria nos olhos, e no cotovelo também. Isso consegue me trazer de volta à realidade.

— Meu Deus! Outra louca. Fechem as portas desse restaurante! — ouço o gerente gritar, de novo.

— Gabi, para! Tá tudo bem! Tá tudo bem! — chego perto deles e tento fazer com que ela me escute em meio à sua fúria.

— Cat, eu vou te proteger! — ela me garante, agora tentando enforcar meu pai.

— Moça, sai de cima de mim agora! — ele tenta falar.

— Gabi, você não está entendo. Ele é meu pai! — eu não queria ter que dizer a novidade nesses termos, mas vamos lá, ela não me deu muita escolha.

— O quê? — a informação surpreendendo faz com que ela caia no chão.

— Eu te explico depois que eu entender, tá bom? — digo, dando minha mão para que ela consiga se levantar.

— Se vocês não saírem agora, eu vou chamar a polícia! — o gerente ameaça com o telefone na mão.

— Tarde demais, o sequestrador é meu pai. Você não ouviu nada da conversa? — rebato. Que homem grosso, estou passando por uma situação bem complicada aqui.

— Vamos, Catarina. Temos que sair daqui. Desculpe pelo transtorno — meu pai nos guia para fora.

— Não acredito que isso está acontecendo — falo para ninguém em particular quando já estamos na rua. ­ ­— Meu pai é meu sequestrador.

— Seu pai quer te sequestrar? — Gabi pergunta confusa. — Ninguém vai me explicar o que diabos está acontecendo aqui?

— Eu não estou tentando sequestrar ninguém. Foi um mal entendido – meu pai se explica para ela, depois muda seu olhar para mim. — Catarina, eu preciso falar com você.

— Olha, eu preciso ir para casa, não posso fazer isso agora — como é que ele acha que vai ser simples assim? Nós não podemos apenas ir comer uma pizza e fingir que não somos estranhos um para o outro. Dou meia volta e começo a andar. A única coisa que eu preciso agora é da minha mãe.

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