08. UMA AVE PEREGRINA

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Eu tinha acabado de aceitar que minha vida seria apenas comum, quando coisas extraordinárias começaram a acontecer comigo.

- Ransom Riggs, MPHFPC


- Está me dizendo que eu sou uma peculiar?

- Certamente. - respondeu Emma no que parecia ser um sopro de felicidade. Não sabia se o fez por ter encontrado mais da espécie dela ou por pensar em fazer amigos. Preferi a primeira opção. Ela era paranóica demais pra querer fazer amizades - Esta é uma fenda temporal. Apenas peculiares podem atravessá-la.

- Fenda? - perguntei sem pressa. Emma nos explicou o que era necessário, cuspindo nomes como "espaço-tempo", "1940", "03 de setembro" e outros termos de esfriar o cérebro. Emma também mencionou seres chamadas ymbrynes, espécies de aves metamorfas que controlam o tempo. No fim de toda a explanação, fiquei mais confuso do que inicialmente. Estávamos mesmo no futuro?

- Nossa ymbryne é Alma Peregrine. Ela é nossa mentora. - pisquei os olhos para só então reparar que ela se pronunciava no plural. Tinha mais de nós por aqui? Como se estivesse lendo minha mente (se é que ela podia), respondeu: - Eu moro num orfanato com outros como eu. Como vocês.

Cassie estreitou os lábios e me olhou com um ar de desconforto. Entendi no mesmo momento que isso não era o que ela pensava para sua vida. Ser uma peculiar, viver com um menino invisível e uma garota capaz de gerar fogo com as próprias mãos era algo mirabolante, para dizer o mínimo. Era praticamente loucura!

- Não sei se isso é para mim, Mill. - ela sussurrou, exatamente o que eu pensava. Emma cruzou os braços e revirou a cabeça nervosamente, como quem não quisesse presenciar uma briga - Não nasci para ser uma... isso.

- Isso? - Emma reclamou, elevando o tom da voz com repulsa. Sua cabeça girou num ângulo de 90 graus. Ouvi um estalo estridente vindo de seu pescoço - Não somos coisas, garota. Acha que não foi difícil para cada um de nós aceitar nossas habilidades? - a menina parou para mais um suspiro - Acha que eu não enlouqueci quando minhas veias começaram a queimar minha pele como um maldito vulcão? Ninguém é perfeito, os peculiares não são uma exceção.

Queria defender Cassandra, mas Emma estava certa. Ainda não aprendi a lidar com minha estranheza, mas se ela nunca sair de mim, seria obrigado a conviver com tal realidade. Eu era um estranho para a sociedade agora, Cassie também era. O que nos restava, senão aceitar?

- Posso não ser a melhor pessoa para ajudá-los a superar os fatos. - admitiu Emma - Mas talvez a srta. Peregrine possa. Vocês gostariam de conhecê-la?

Emma nem precisou de uma resposta, apenas viu os olhares de dúvidas e medo em nossos rostos. Cassie segurou minha mão, como se precisasse disso para acalmar-se. Seguimos a srta. Bloom e suas pegadas que deixavam a grama chamuscada.

. . .

Cairnholm era peculiar até mesmo para uma ilha de refugiados peculiares. Parecia estar viva, como se todos os elementos do local estivessem em total sintonia. Cassie não deixou de encurtar nossas distâncias e eu não larguei sua mão sequer por um segundo.

Depois de alguns minutos, finalmente chegamos numa casa enorme, parecia aquelas das famílias ricas dos comerciais. Pensando bem, tia Ruth deveria ter umas 2 mansões pouco maiores do que esta. Segurei o fôlego por um breve momento, mas antes tive mais um susto. Cassandra me puxou para perto, chamando minha atenção.

- Millard! - exclamou Cassie, que olhava para meus braços com preocupação. Precisei de segundos para compreender a causa de seu espanto, até levar meus olhos ao lugar em que a menina estava encarando.

Estiquei ainda mais as mangas do suéter que eu usava. Meus braços não estavam mais lá! Será que a passagem pela fenda teria acelerado o processo de "desaparecimento"?

- Isso acontece com tanta rapidez? - perguntou Emma, com o rosto contorcido. Fiz que não com a cabeça, nenhuma palavra saía da minha boca. A garota flamejante estalou a língua como que por reprovação. Ela bateu na porta por meio de uma alça de metal aparentemente bem antiga e esperou por alguém, que apareceu após segundos.

Ao abrir a porta, nos deparamos com uma mulher de postura elegante e formal, que carregava um velho cachimbo de madeira. Ela exalou uma fumaça que perfurou meus olhos como ácido, soltando espirais cinzentas que se deformavam no ar. Na sua mão, havia um relógio de prata repleto de ornamentos suntuosos.

- Oh, que maravilha! - falou com a voz rouca, talvez de tanto fumar - Chegaram bem na hora. Vocês devem ser Millard Nullings e Cassandra Valentine. Sou Alma LeFay Peregrine, é um prazer finalmente conhecê-los

Na mesma hora, travei. Eu deveria ter perdido a fala completamente. Como ela sabia nossos nomes?

- A senhora nos conhece? - Cassie perguntou, compartilhando o mesmo sentimento que eu.

- "Senhorita", sr. Nullings. - corrigiu com cortesia - E não os conheço devidamente. Horace, uma das minhas crianças, previu a chegada de vocês. - eu perguntaria como era possível alguém prever o futuro com tamanha exatidão, mas então lembrei que eu era invisível - Quais são suas peculiaridades, meus queridos?

Aquela palavra de novo. A ironia era que eu cheguei a ridicularizar a escolha pela palavra "peculiar", quando Jason me falou. O fato de ele saber exatamente o termo que essas pessoas utilizavam me fez questionar se ele sabia mais do que me contou no dia do meu aniversário.

- Estou ficando invisível. - para demonstrar, retirei meus sapatos e as meias, revelando dois espaços vazios no lugar dos pés. A srta. Peregrine deu um passo para frente, o que eu não esperava. Ela deu um sorriso que não pude decifrar. Pena. Tristeza. Dor. Todas as emoções se misturavam em seu delicado rosto.

- E você, minha cara? - a srta. Peregrine apontou para Cassie com a cabeça. A menina levou um susto - O que a torna especial?

- Eu não faço ideia. - murmurou - Nunca fui diferente do que sou agora. Essa sou eu, uma garota normal.

- Não acredito que seja humana, srta. Valentine. Não existe uma idade exata para alguém, como o sr. Nullings, manifestar sua peculiaridade. Varia de pessoa a pessoa.

- Verdade. - interveio Emma - Ouvi falar de um homem que só descobriu que podia levitar quando tinha uns 92 anos. Pena que ele deve estar morto a esse ponto.

O silêncio nos abordou pela milésima vez. Confesso que eu cheguei a espiar a parte de dentro da casa enquanto ninguém via, curioso em saber o que este novo mundo me esperava. O fato de Emma ficar apagando uma chama teimosa de seu mindinho com a língua, por motivos incertos, me deixava mais ansioso ainda. Srta. Peregrine deveria sentir o que minha mente e meu coração diziam, pois sugeriu que entrássemos sem mais delongas.

Logo que o fiz, ouvi um grito - do que parecia ser um garoto - vindo do andar de cima. Não era de alegria ou de surpresa, porém.

Era de desespero. De terror.

n/a: Hello dearies. Como estão indo? Seguinte: alguns personagens, como o Enoch, não estarão no orfanato assim que o Mill entrar, mas vou encaixá-lo(s) nos outros caps. A partir disso, uma outra ideia surgiu e tem a ver com Rise. Resumo: tô pensando em fzr uma espécie de crossover de fics (pfv, não riam da minha cara. Eu já deveria estar rindo a esse ponto 😅). Enfim... that's all folks. E até.

MIRROR ;; millard n. ( ✓ )Onde histórias criam vida. Descubra agora