Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer.
- Antoine de Saint-Exupéry
Abrir os olhos nunca tinha sido uma tarefa tão difícil como hoje. Era como se alguém tivesse colocado tijolos sobre minhas pálpebras, mas por fim, consegui. Tudo do meu quarto aparentava estar normal. Exceto por uma pilha de lençóis limpos formada no chão - mamãe deve estar lavando as roupas -. Decidi me levantar. Quem sabe, se tivesse forças, ajudá-la. Mas algo me fez levar um tombo para trás da cama.
Meus pés tinham sumido novamente. Assustado, fiz o mesmo procedimento de hoje mais cedo. Pisquei e esfreguei os olhos. Balancei a cabeça, mas dessa vez, não funcionou. Que maravilha! Estou tendo alucinações. Procurei meu velho espelho, esperando que ele me desse a resposta que mais tinha vontade de ouvir: "você está enlouquecendo, Millard Nullings. Mas não se preocupe. É só temporariamente".
Ao encontrá-lo, mais um susto. Meus pés também não apareciam no reflexo. Como isso era possível?
-Mill! - ouvi a voz da minha mãe. Ela estava se aproximando da porta, isso tinha certeza. Corri para debaixo das cobertas e escondi meus pés - que, ironicamente, já estavam escondidos de mim - e deixei que ela entrasse.
- Oi, mãe. - sussurrei, depois de uma tosse falsa.
- O que está fazendo aí? Vai se atrasar para a escola.
- Eu já estou indo. Só preciso... tomar banho. Sim! - falei tão rápido que ela deve ter desconfiado. Após minutos tentando convencê-la de que tudo estava bem, Marian foi embora e me deixou sozinho, novamente.
Ainda estava em choque, mas ficar deitado não parecia ser a melhor solução. Andei para um lado e para o outro, batendo de vez em quando os dedos nas bordas da cama. Não conseguia vê-los, de qualquer maneira. Apressei-me no banho, pus uma roupa folgada e simples e um sapato acompanhado de uma meia larga. Estava decidido: iria para a casa de Jason. Talvez ele pudesse me ajudar.
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- Como assim você está desaparecendo? - foi a primeira reação do meu irmão, assim que falei dos meus pés. Seu riso, pela primeira vez em anos, me irritou - Você está vendo muitas revistas, moleque. Se não tiver cuidado, mamãe cancela sua assinatura com a Wild World.
- É verdade! - choraminguei como uma verdadeira criança - Olhe.
Arranquei o sapato que tanto me incomodava e mostrei meu pé. Todos os dois ainda estavam em falta. Jay deixou um palavrão escapar e se afastou de mim.
- Acha que eu sou como você?
- Vendo assim, não tenho dúvidas. - sua voz soava mais tensa. Ele me olhava como quem tivesse pena. Algo dentro de mim dizia que eu não ficaria feliz com suas próximas palavras - Mill, eu sinto muito.
- Eu sei. Não queria que isso me acontecesse. E se eu desaparecer verdadeiramente? O que será de mim, Jason? - ele continuou cabisbaixo, sua expressão estava pior do que antes - E meus sonhos? Como vou poder ser um professor ou lecionar aulas sem que eu suma na frente dos alunos? - meu discurso parecia tão eloquente quanto os da minha professora de História.
- Não é disso que estou falando. - uma ameaça. Era o que estava parecendo. Seus olhos escondiam mais do que eu poderia imaginar. Mas ele não me ameaçaria, não é? Somos irmãos... - Você é como eu, Millard. Um estranho nesse mundo.
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MIRROR ;; millard n. ( ✓ )
Fanfic⠀˗ˏˋ⠀𝐌𝐈𝐑𝐑𝐎𝐑⠀ˎˊ˗ ⠀⠀⠀EU JÁ FUI UM garoto normal, certa vez, mas faz tanto tempo que às vezes é difícil de recordar aquela época catastrófica. Ora, a quem estou enganando... lembrar da minha juventude era algo que me trazia dor. Essa era a única...