Todas as decepções são secundárias. O único mal irreparável é o desaparecimento físico de alguém a quem amamos.
- Romain Rolland
Janeiro, 1936
Jason Nullings. Sempre que eu ouvia aquele nome, o sorriso fazia questão de se esboçar em meu rosto. Meu irmão mais velho era uma das únicas pessoas que me faziam lembrar de quão boa era a vida e de como deveríamos aproveitá-la, antes que tudo acabe. Ele costumava contar lendas sobre as estrelas quando íamos dormir, sobre o mundo e a origem do universo. Eu fazia questão de anotá-las na minha caderneta, como se eu precisasse delas para viver.
Ele não morava mais com nossos pais como eu. Jay já tinha seus 17 ou 18 anos e preferia viver sozinho como um homem independente e crescido. Ele possuia uma casa num vilarejo isolado de todos, isolado do mundo que tanto admirava, o que era questionável. Suas únicas companheiras eram as estrelas, o que deixava tudo mais deprimente. Nunca soube do por quê ele tinha escolhido esse lado anti social e, quando finalmente cheguei perto de descobrir, acabei desistindo por razões estúpidas. Hoje, ele prometeu nos visitar quando eu estivesse em casa, já que era meu aniversário. Disse que me buscaria no colégio, mas por enquanto, teria que contar os minutos até as aulas acabarem.
Era tudo muito monótono na escola que eu frequentava. Tínhamos um relógio de madeira fixado na parede da sala de aula, o pêndulo deslizava com tanta vagareza que parecia que o tempo não passava. Dois ou três alunos prestavam atenção no que a srta. Gray dizia sobre logarítmos ou progressão aritmética. Eu era um deles, mas nesse dia eu não parava de pensar em ir para casa.Enquanto meditava, uma bola de papel foi arremeçada contra minha nuca, o que me obrigou a olhar para trás.
- Ei, Millard! - sussurrou Clary, uma das garotas populares da turma. Até me assustei por ela ter lembrado do meu nome. Eu sempre tive uma queda por ela, desde a quarta série, mas a garota nunca me notou. Claro, eu era apenas um nerd de óculos estranhos - Olhe o que está escrito.
Mesmo com um grande embrulho no estômago pela surpresa, fiz o que ela pediu.
Me encontre na frente da escola, após a aula ♡
Olhei para ela novamente. Clary sorriu e eu retribui, acenando a cabeça afirmativamente. Não sei se era impressão minha, mas havia algo de cínico em seu rosto. Balancei a cabeça, espantando a ideia ruim. Afinal, o que de pior poderia acontecer?
TRIIIIIM
Nunca tinha ficado tão feliz pelo sino ter tocado. Era impossível não sorrir. Organizei meus materiais, sem me esquecer da caderneta de vovó. A esse ponto todos teriam saído da sala, exceto por Cassie Valentine, minha fiel amiga.
- Eu vi a troca de olhares entre você e a idiota da Clary. - falou, trincando a mandíbula - Está pensando em ouvir o que aquela víbora diz?
- Acho que alguém está com ciúmes aqui. - a menina ficou vermelha como uma pimenta. Arrastou o pé no chão, sem olhar para mim. Sorri de soslaio, tentando disfarçar minha felicidade - Clary nunca falou comigo. Não acha que eu vou desperdiçar uma oportunidade dessas, não é?
Cassie cerrou o punho, adquirindo uma aparência assustadora que nunca vi.
- Certo! - rugiu -Se é isso que tem a dizer, então vá. Mas espero que meu pressentimento sobre isso esteja errado.
- Também espero. - Não pude evitar de anunciar. Sussurrei um "adeus" que nunca teve resposta. Ela continuaria chateada comigo de qualquer maneira...
Segui as instruções do bilhete agora amassado, esbarrando em umas 4 pessoas enquanto andava. Já cheguei a me perguntar se não teriam me visto passar ou se eu era invisível para elas. Essa não teria sido a primeira vez. Como sempre, nunca soube.
- Oi, Milland. - ouvi a voz de Clary perturbando meus pensamentos. Pensei em corrigi-la, mas do que adiantaria? - Pronto para a surpresa?
Ainda estava rodeado de dúvidas, mas a curiosidade era maior ainda. Fechei os olhos, depois de ela ter pedido. Meus ouvidos seguiam os barulhos de seus passos rigorosamente. Quando estava prestes a chamar pelo seu nome, fui atingido por coisas gosmentas e mal cheirosas. Eram ovos podres.
Procurei por Clary, como se nada tivesse acontecido e me decepcionei ao vê-la próxima a Bradley e seus amigos: os valentões. Ela ria da minha cara e jogou até um dos ovos em mim. Tentei ignorar toda a sensação de dor, mas era impossível. Segurei as lágrimas e peguei a minha bolsa, até sentir alguém puxá-la grosseiramente.
- A gente ainda não acabou com você, trouxa! - Bradley rugiu. Brandon, seu irmão mais velho o acompanhava. Brad jogou a mochila para ele e começou a retirar tudo o que eu tinha. Gritei até ficar rouco, não podia deixar que eles acabassem com a minha caderneta preferida.
- Olha, Brad. - disse o garoto forte - Ele gosta do caderno. Por que não rasga logo todas as páginas?
Bradley lançou um olhar perverso, porém desconfiado. Mas mesmo assim, o fez. Começou arrancando uma por uma. Cada vez que o fazia, eu sentia uma pontada aguda no peito.
Hienas tinham risadas mais agradáveis do que eles. O barulho dos idiotas só cessou quando eles ouviram a arrancada de uma motocicleta. Eu sabia exatamente quem era.
Jason.
- Não têm vergonha na cara! - Jay censurou com as sobrancelhas tortas de raiva. Ele tinha acabado de descer da moto que comprara há pouco tempo. Me ajudou a levantar e se aproximou de Brandon - Eu deveria te esmurrar agora mesmo.
- Eu perguntaria o que te impede, mas só de olhar pra mim você deve ter sua tão desejada resposta. - repeliu Brandon, gerando gargalhadas de quem estava perto dele. Jay deu-lhe um empurrão e em troca, Brandon puxou algo do bolso de sua calça.
Era um canivete. Achei que essas coisas eram proibidas na escola. Ora, Millard. Por que alguém como Brandon se importaria com as políticas escolares? Se ele trouxesse um rifle para cá eu nem me surpreenderia.
Jason recuou, mas sua postura ainda estava tão rígida quanto uma pedra.
- Quer briga? - Brandon perguntou com um sorriso enigmático - Então é o que terá!
Brandon partiu para cima de Jay, que desviava dos punhos do grandalhão e de sua faca. O irmão dele parecia nervoso e tinha que admitir, todos estavam da mesma maneira.
Jason chutou as pernas do garoto, mas acabou levando um corte de leve como troco. Meu irmão tentou levantar, mas não tinha mais forças, ele lutava até mesmo para respirar. Brandon aproveitou a situação e enterrou o canivete na barriga do menino, que se curvou de dor e emitiu um gemido.
- Jay!
Ouviam-se gritos. De desespero, medo, pavor. Uns até de ajuda. Meu coração martelava brutalmente contra meu peito, como se quisesse escapar. Mal percebi que os covardes tinham fugido, tudo estava em câmera lenta. Corri para meu irmão e o ajudei a levantar.
- Fica calmo! - era o que eu dizia. Minha voz se distorcia, unindo-se aos berros da multidão amedrontada - Você vai ter que ser f-forte agora, tudo bem?
Jay assentiu nervosamente. Ele mal levantou a cabeça.
Caminhamos até uma rua vazia que ficava próxima a escola. O estranho era que ele parecia normal em meio àquilo tudo, pensei que fosse a adrenalina percorrendo em suas veias - me perguntei como ele se comportaria quando "acordasse" desse surto. Tateei a área que ele tinha recebido a facada e só então eu notei algo extremamente incomum.
Não havia sequer um só machucado em sua pele, a não ser o do corte que pegou de raspão no rosto. Não havia sequer vestígios de sangue, muito menos de medo.
Em relação a última parte, não podia dizer o mesmo ao meu respeito.
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MIRROR ;; millard n. ( ✓ )
Fiksi Penggemar⠀˗ˏˋ⠀𝐌𝐈𝐑𝐑𝐎𝐑⠀ˎˊ˗ ⠀⠀⠀EU JÁ FUI UM garoto normal, certa vez, mas faz tanto tempo que às vezes é difícil de recordar aquela época catastrófica. Ora, a quem estou enganando... lembrar da minha juventude era algo que me trazia dor. Essa era a única...