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Miranda 

Talvez em um universo paralelo. Numa copia perfeita da minha vida e realidade, eu não tivesse caído na armadilha de ter me interessado pela Alexia. No entanto, eu me emaranhava cada vez mais nos fios de mentiras e me prendia na teia que eu mesma tecera.

Observei seus olhos castanhos sombreados por cílios espessos e escuros. Eles estavam cintilantes e tristes. Alexia era como um animal atropelado que ainda se arrastava ferido e manquejante seguindo sua vida. Esperando que o acidente nunca tivesse ocorrido ou que pudesse ser esquecido. Ela dava um jeito de ir sobrevivendo, suportando as dores silenciosamente. Nunca tratando o machucado.

— Eu não sei o que fazer... — seu sussurro abafado me tirou do meu devaneio e eu pensei em frases paliativas para lhe dizer, mas eu sentia apenas a raiva me consumir ao me lembrar da situação embaraçosa a que ela fora exposta.

— Você pode dormir hoje em meu apartamento. Amanhã você pensa no que fazer. Não adianta esquentar a cabeça agora — lhe beijei a testa, observando cada sutil mudança em sua expressão. Ela parecia desnorteada, o semblante triste, mas respirou fundo e me deu um sorriso amarelo. Como um animal ferido que seguia sangrando e se deteriorando, Alexia me abraçou e depois puxou assunto. Um assunto a meu respeito. Normalmente eu era aquele tipo de pessoa que falava rápido, mas com ela, eu hesitava e pensava muito bem sobre o que dizer. Um deslize e aquele frágil castelo de cartas ruiria.

— Há uns meses, mas eu não sou muito caseira, então parece que ninguém mora nele. — Ela recebeu aquela informação com um franzir de sobrancelhas. Fiz uma careta ao olhar para frente. Cuidado, me alertei.

Passamos por alguns caras que nos assediaram e eu fiquei retesada e embravecida com os olhares e psius, Alexia tocou o meu braço, me fazendo ficar mais controlada. Eu abaixei a cabeça, expirando e andando rapidamente. Diferentemente dela, eu era esquentada, explosiva e pouco passiva em situações que exigiam indiferença ou calma. Era um ser passional que era levado pela euforia do momento. Apesar de que, me relacionar com ela estava me abrindo um leque de possibilidades sobre o autocontrole. Olhei a fina marca branca em meu dedo anelar que esmaecia.

Meu apartamento ficava a uns cinco minutos de caminhada do apartamento de Alexia e Luana. O que a deixou claramente surpresa e a fez semicerrar os olhos para mim, mas depois descartar aquela possibilidade que eu sabia que passara por sua cabeça. Ela tentou naturalidade em seus gestos. Após passar pelo segurança na portaria, guardei a bicicleta na garagem e subimos para o sexto andar.

Alex parecia meio sem graça. Espiava ao redor, unia as mãos.

— Que foi? — perguntei curiosamente enquanto inseria a chave na fechadura.

— Não sabia que você era rica — murmurou enquanto fitava o corredor branco e asséptico. Dei de ombros. Eu não pensava muito sobre isso. Talvez porque, como ela disse, eu era rica. Não que eu fosse realmente rica, mas eu tinha condições de escolhas. —  Uau.

— O banheiro fica ali — apontei para uma porta preta próxima ao lavabo e peguei meu celular. — Você ainda vai querer comida japonesa?

— Hm, na verdade estou sem apetite — respondeu um pouco culpada.

Coloquei o celular em cima da mesa de centro, indo em sua direção. Ela parecia tão frágil, tão doce. Aquilo me cativava de uma forma que eu duvidava que ela soubesse. Abracei-a sentindo aquele perfume de lavanda, bebês e pôr-do-sol. Ela tinha o aroma de algo pueril.

Acabamos bebendo cerveja e dormindo no sofá da sala após ficarmos horas acordadas sem nada dizer, apenas acarinhando uma à outra.

Eu nunca havia sentido aquela ligação com qualquer outra pessoa. Nem com o meu pai que era o humano mais próximo a mim em toda a minha vida ou Rangel que eu me relacionara por quatro anos. 

Horas e horas no silêncio com outro ser, apenas sentindo aquela sinergia. Alexia havia me proporcionado aquilo e eu sentia já estar viciada. Como tudo o que vinha dela. Eu sabia que ela achava que apenas ela sentia alguma coisa naquela relação, como suas perguntas haviam deixado claro. Isso se devia a mim que não sabia demonstrar afeto e falar dos meus sentimentos.

Aspirei seu perfume e me aconcheguei mais em seu corpo macio, caindo em um sono profundo e sonhando com mar, sol e e castelos de areias devastados pelo mar.

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Alexia - RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora