#19

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Miranda

Sorvi o café enquanto assistia o dia nublado ameaçar uma chuva. A semana havia passado rápida mas ao mesmo tempo lentamente.

Viajara para encontrar Rangel. Tudo parecia tão diferente, esquisito. Era como se mesmo que eu tivesse me encaixado naquela vida, eu não pertencesse mais a ela. Me lembrei do gomo de tangerina encaixado no alho e soltei um sorriso bobo.

Meu apartamento começava a ter um ar vazio, solitário. Eu morara a vida inteira com alguém. Primeiro meus pais, depois meu ex-marido.

Pensei em Alexia e balancei a cabeça, não acreditando no que eu havia me metido. Eu quase me envolvera com uma de menor, levada por uma atração fulminante, então quando ela ficou de maior, eu a persegui e a deixei sem escolhas, forçando-a a me querer.

Eu era tão egoísta.

Apesar de eu ser independente, não tivera coragem alguma de revelar a existência de Alexia para minha família. Eu não queria mantê-la como um segredinho sujo, mas não tinha certeza se nossa relação era consistente.

Me lembrei quando eu e Rangel finalmente assinamos os papéis, de sua hesitação e do olhar que me deu, como se dissesse " você tem certeza disso?". Eu fechara os olhos, e tivera certeza que Alexia fora apenas um estalo, como uma ultima gota que fizera o balde transbordar.

Me lembrei dos planos que fizemos: quando ele estivesse ministrando aulas na faculdade, quando eu fosse uma escritora de sucesso, iríamos nos mudar para uma casa grande e ter quatro filhos, cachorros e gatos.

Talvez adotar uma criança ou outra...

Ri sozinha na sala e senti que lágrimas molhavam minha face.
Eu estava começando, de novo, do zero. Iniciando uma carreira, uma relação amorosa, uma vida. Sentia que tinha novamente vinte anos e que um leque se abria à minha frente, me deixando nervosa e ansiosa com as opções.

O interfone tocou e eu liberei a entrada dela. Me direcionei ao lavabo e tentei me recompor jogando uma água no rosto.

Alex bateu à porta e eu caminhei em direção à entrada. Senti um peso no estômago e uma ansiedade que me fazia tremer as mãos.

- Quê? - dei um muxoxo.

Alexia vestia calças de pijama e um moletom surrado. Calçava crocs e tinha fones plugados no ouvido. E então reparei em sua aparência. Estava com a tez cinzelada e olheiras imensas abaixo dos olhos. Ela subiu o olhar para o meu, parecia irritada.

- Você fica desse jeito?

- Que jeito? - indagou, passando por mim e me agredindo com a mochila.

- Melhor deixar para lá - fechei a porta e passei a chave -, antes que cuspa fogo em mim - sussurrei a última parte.

- Você me chamou de dragão?!

- Não, eu disse " melhor deixar para lá, estou com saudades de ti"

- Nossa, você disse que eu sou um dragão, não estou ouvindo música, ouvi perfeitamente. Também estou feia e gorda, ou acha que eu não sei? E por que mal falou comigo essa semana toda? Eu tô morrendo de saudades e você nem me deu um abraço, já me atacou quando eu mal passei pela porta, poxa....

Eu abracei ela, lhe dando um selinho enquanto sorria com todo aquele drama.

- Vou cuidar de você, amor - comecei a guiá-la para a porta - a distância.

- Quê?!

- Cadê o senso de humor? - sorri enquanto ela me encarava seriamente com as mãos nos quadris. - Já comprei a lata de brigadeiro e a coca-cola. Agora não me mate por favor, eu preciso sair, mas é rápido, vou fazer uma última entrevista. A última dessa semana, tem pipoca ali e o controle da tv deve estar dentro do sofá, beijo - destranquei a porta novamente e saí corrida do apartamento.

Alexia - RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora