Bônus - Marcelo

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Bônus - Marcelo

Ninguém sabe o que é viver a minha vida.

Ter um irmão como o meu é uma dádiva como também às vezes se mostra um tormento.

Amo meu irmão. Amo mesmo. Desde que eu era criança e comecei a me entender por gente, ele se tornou um exemplo e meu herói. Não que eu não visse o meu pai desse mesmo jeito, mas ele trabalhava demais para poder nos dar uma boa vida. Então o via muito pouco. Ele saia cedo e chegava em casa tarde da noite. Por isso transferi grande parte da minha admiração pro Rico. Quando éramos criança, a diferença de idade era de três anos e parecia não existir. Rico era quem sempre criava as brincadeiras mais mirabolantes, quem me ajudava a escapar das surras e castigos de nossa mãe, quem me ensinou a me defender e em quais brigas deveria entrar... E...claro que, de certa forma, foi ele quem me ensinou tudo sobre as garotas.

Eu vivia à sua sombra. E isso era muito ruim de suportar. Imagina você nunca ser considerado bom em nada? Nunca ser o suficiente porque seu irmão sempre está à sua frente e será sempre considerado mais perfeito que você? Por ele ser o neto mais velho de ambas famílias (tanto de papai quanto de mamãe) todos o idolatravam. Eu? Eu era o "inho": bonitinho, engraçadinho, fofinho. E ele era "ão": bonitão, engraçadão, lindão, perfeitão,. Se isso me incomodava? E como!

Quando entrei na adolescência, isso lá pelos meus treze anos, Rico já tinha dezesseis e também todas as meninas da escola. Muitas da minha sala queriam ser minhas amigas e fazer trabalhos na minha casa só para ficarem próximas a ele. Aquilo era uma chatice.

No ano seguinte Rico terminou o ensino médio, saindo da escola e aí sim, passei a ser visto como o Marcelo e não como o irmão do galã. Sim, esse era o apelido dele. Até mesmo algumas professoras o chamavam assim. Eu achava ridículo.

A questão é: éramos muito parecidos. Tínhamos o mesmo tipo físico apesar de algumas poucas diferenças como cor dos olhos e a dos cabelos, além da estatura (Rico era alguns centímetros mais alto que eu).

Passei a fazer sucesso também. Só que enquanto Rico era de pegar qualquer garota, ficar com elas algumas vezes e depois deixá-las de coração partido; eu era o romântico. Eu só dava brecha[i] para a garota que me interessasse e não só pela beleza. Eu conquistava, seduzia e namorava. Com isso levei a fama de príncipe. Claro que não fui um anjo dos quatorze aos dezessete anos (e nem depois dessa idade). Mas ao contrário do meu irmão, eu era amigo de cada ex-namorada ou ficante.

Terminei o ensino médio e de cara passei no vestibular da Universidade Federal. Meu sonho sempre foi ser promotor e para isso estudei muito e com afinco para entrar numa das melhores universidades num curso que era tão concorrido que só perdia para medicina. Nessa época, Rico já havia desistido dos dois anos do curso de administração e estava com a matrícula da faculdade de Publicidade e Propaganda trancada.

Aos vinte anos já cursava o quarto período de direito e estagiava em um grande escritório de advocacia chamado Queiroz & Lopes Associados, em que o único QI[ii] usado para garantir minha vaga foi minha grade curricular com as notas obtidas em cada matéria. Eu não tinha horário certo de aula, então meu chefe, o Dr. Queiroz, permitia que eu fizesse um horário flexível desde que, trabalhasse cinco horas diárias exigidas no meu contrato. Para mim isso era ótimo pois eu estagiava e inclusive acabava conseguindo acompanhar algumas audiências e reuniões com clientes, ia à aula e ainda trabalhava no Bodocó nas sextas e nos sábados à noite. Era o dinheiro que eu usava para comprar a grande parte dos meus livros e também para lanches e conduções. O dinheiro do estágio que não era lá grandes coisas, eu usava para o vestuário. Se era para comprar ternos completos, era imperativo que fossem com um bom corte. As gorjetas eu guardava na poupança. Nunca se sabe o futuro, certo?

Puro PecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora