Uma vida normal

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"E então, Anthony, como está se sentindo hoje?" Perguntou seu psicólogo, Sr. Cláudio Vasconcelos.
Cláudio atendia Anthony há dois meses, depois de tudo que aconteceu sua família achou melhor que todos os envolvidos  frequentasse um psicólogo.

E lá estava ele, respondendo perguntas que não queria responder, contando coisas que não queria contar e lembrando de coisas das quais não queria se lembrar.

- Anthony? Está me ouvindo?

- Queria que ela estivesse viva. . . Queria poder ter feito algo para salvar a vida dela.

- Você acha que a culpa foi sua? 

Anthony não respondeu.

- Como foi que tudo isso come. . . 

Anthony interrompeu.

- Ela tinha um sorriso bonito!

- Você está tomando seus remédios?

- sim!

- Não quer me contar como era...

"Como era o quê? Como era ter uma vida normal?" Anthony perguntou exaltado.

- Se quiser falar assim. Mas eu ia perguntar como era quando ela estava viva.

  Ficou um silêncio por alguns momentos.

- Se ainda não está preparado para contar, eu entendo. Mas uma hora terá que me contar.

- Eu conheci uma garota pela internet. . . Se chamava Elisa, mas gostava que eu a chamasse de Lisa.

- E? Ela era a sua namorada?

- Nós marcamos de nos encontrarmos, mas ela estava com medo de ir sozinha, achou que eu pudesse ser algum estuprador ou sei lá. . . Então combinamos de levar nossos amigos, o problema é que eu só tinha uma amiga, Maria. (Pausa silenciosa)

- Você está bem? Quer continuar?

- Sim! Lisa ia levar uma amiga dela também, mas de última hora a amiga não pôde ir, então, ela levou um amigo chamado Felipe.

- Você ficou chateado porque ela levou Felipe?

- Não! Mas eu deveria ter ficado na época.

- Por que diz isso?

- Porque de certa forma ele estragou tudo. . .

- Você ainda fala com ele?

- Não, eu nunca mais o vi.

- O que aconteceu depois?

- Nos encontramos numa balada. Eu apresentei Maria aos dois e Lisa apresentou Felipe.
Lisa e eu ficamos conversando, e quando reparei, Maria e Felipe estavam conversando também, logo em seguida eles foram dançar.
Me lembro de Lisa dizer que eles estavam se dando bem.
De alguma forma eu senti algo. . .

- Ciúme?

 Anthony respirou profundamente e respondeu.

- Talvez. . . Eu não sei direito. Mas não queria que ela estivesse com ele.

- Certo Anthony, seu tempo acabou por hoje, mas na próxima vez eu quero ouvir toda a história, okay?

 Anthony não disse nada, apenas saiu.

 Seu pai, Otávio, estava o esperando no carro, Anthony entrou e bateu a porta com força.

- Você está bem?

 Anthony ficou calado por um tempo e disse: "Não finja que se importa."

- Não estou fingindo, realmente me preocupo com você, meu filho!

(Um ano antes)

Anthony foi buscar seu pai em um bar. Ele estava completamente bêbado, tinha passado o dia todo fora porque brigou com Esther, sua esposa.

Quando Anthony chegou lá, Otávio não queria ir para casa e na discussão do momento ele deixou escapar que Anthony é adotado. 

(Agora)

Ao ouvir as palavras "meu filho", a lembrança desse dia doloroso voltou e Anthony ficou com raiva, pôs os fones de ouvido e ignorou totalmente o pai.

Mas foi levado para lembranças muito mais dolorosas. 

(Lembrando)

Anthony e Maria saiam da balada e no caminho iam conversando.

- Parece que você gostou de Lisa!

- E parece que você gostou de Felipe!

- Você não?

- Não sou eu quem deve gostar. 

- Eu gostei dela, é bonita, simpática, mas confesso, acho que você merece coisa melhor. 

- Como quem?

- Não é como quem. Acho que essa garota ainda não apareceu. . . Ou você ainda não notou ela. E a propósito, eu peguei o número dele.

- Sério?

- Sim.

- Você vai ligar para ele?

"Ainda não sei", ela disse sorrindo e começou a correr.

-Ei, me espera!

-Tente me alcançar, se puder!

Anthony foi trazido para a realidade com a voz do seu pai lhe chamando.

- Já chegamos! Não vai descer do carro?

Anthony saiu e foi direto para seu quarto, nem cumprimentou sua mãe e sua irmã que estavam na sala assistindo televisão. Ele apenas se trancou no quarto como sempre e mais uma vez pegou sua gilete no banheiro e fez pequenos cortes em seu pulso. Sempre que pensava nela, ele fazia isso. 

Os remédios que tomava para não ter alucinações não está adiantando. Ele sempre a via com aquele vestido rosa que estava vestida no seu último dia de vida. E sempre ouvia ela dizer: "A culpa foi sua."

"Eu não vou tomar mais esses remédios", disse Anthony quando acordou de manhã. Jogou-os no lixo e saiu para a escola. Sua família não disse uma palavra.

"Jéssica, é melhor você ir com ele", falou sua mãe.

- Mas eu nem acabei de tomar meu café da manhã.

"Pega aqui esse dinheiro", disse seu pai. - Cinco reais dá?

- Lógico que não, né pai!

- Está bem! aqui. . . vinte.

"Divida com seu irmão, filha", disse sua mãe.

-  Nem morta que chego perto dele.

- Cuidado com o que deseja!

- Deixa ela, Esther. Ele não está falando com ninguém ultimamente. É normal que a menina esteja com receio de falar com ele, eu também estou.

"Todos estamos, então", disse Esther.

(Na escola)

Alguns colegas estavam fofocando sobre Anthony e sobre ele ter ido a escola. 

"Pronto! Acabou os murmurinhos ai no fundo", disse a professora. Ainda continuou. "Anthony, você faltou muito esse semestre, se faltar mais vou ter que te reprovar por falta e eu não quero isso, é um dos melhores alunos da turma."

"Não vou faltar mais. . . Estou voltando a minha antiga rotina." disse com um sorrisinho de canto.

E baixinho ele disse: "De quando eu tinha uma vida normal."


Anthony chegou em casa e pela primeira vez em dois meses falou com seu pai normalmente, deu um beijo em sua mãe e brincou com Jéssica dizendo que ela estava lhe devendo dinheiro. Ele jantou com sua família aquela noite, pegou suas giletes, as jogou fora e pensou em nunca mais usá-las. 

 Mas antes de dormir, sentiu-se sozinho e desejou muito que Maria estivesse ali. . . 

O lado escuro do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora