6. Elos inquebrantáveis

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- Você está louco se acha que eu aceitaria uma coisa dessas!

- "Você está louco se acha que eu aceitaria uma coisa dessas, Lorde Balem!" - ele repetiu-me de forma sarcástica - Use a forma de tratamento correta quando dirigir-se a mim, escrava - e parecia ter um súbito prazer em pronunciar essa palavra.

Pegou então uma caixinha que estivera o tempo todo sobre o divã e, abrindo-a, retirou de dentro dela uma correntinha longa de elos finos que à primeira vista pareceu uma joia comum, mas que, a um toque dele, emitiu um leve chiado e um clique.

- Numa viagem que fiz há algum tempo atrás trouxe esse souvenir que achei, no mínimo, muito interessante... de um planeta cuja força de trabalho é integralmente escrava. A necessidade fê-los desenvolver essa tecnologia para "marcar" seus escravos, evitando que se percam ou que fujam, e é algo maravilhoso de se pensar como funciona - e falando isso, olhava para a correntinha que fazia deslizar por entre os dedos - Você consegue imaginar como isso funciona? - me olhou e sorriu seu riso soturno, levantando-se e se aproximando - Fecha-se em torno da cintura do escravo, e ela recolhe uma marca genética do proprietário, de forma que, em qualquer lugar do universo, onde quer que este logre tentar se esconder, pode ser escaneado e retornado ao seu dono... e o que é ainda melhor, seus elos são absolutamente inquebrantáveis e não podem ser removidos do corpo com nenhuma forma de força mecânica ou aparato tecnológico, mas sim apenas pelas próprias mãos que a fecharam. Não é maravilhoso o ponto de refinamento a que a técnica humana é capaz de chegar? Quando a comprei, não fazia ideia de para que me serviria, mas agora o destino explica finalmente o fascínio que senti por ela.

E assim tendo dito, voltou-se em minha direção, tencionando passá-la em torno de minha cintura, mas não o permiti fazê-lo, dando três passos para trás, com um ar desafiador no rosto. Ele, por sua vez, olhou-me muito calmamente.

- Você vai colaborar, ou terei que solicitar a presença do senhor Greeghan para contê-la?

Ante o pensamento daquele ser horrível colocando as patas sobre mim, tive um calafrio e estanquei no lugar. Ele persebeu, e sorriu, acercando-se de mim. E enquanto passava a correntinha ao redor do meu corpo, chegou-se excessivamente perto de mim e de meu rosto, que cheguei a sentir-lhe o hálito sobre os meus lábios que tremiam de ódio por ele. Olhou-me nos olhos um instante, passando a ponta por trás de mim até trazê-la à frente, e então desceu o olhar para ela e uniu-lhe as pontas, deixando uma sobra dependurada, e a correntinha emitiu um leve brilho avermelhado na junção e um som de clique, selando-se de forma como se tivesse sido forjada em mim própria. Deslizou uma mão por sobre ela como se admirasse a sua obra, olhando-na com um ar embevecido no rosto embargado, os olhos semicerrados e os largos lábios entreabertos. Ergueu os olhos para o meu rosto e sussurrou-me em tom de confidência:

- Combina com você.

- Odeio-te com todas as minhas forças, Lorde Balem - respondi com amargor e sarcasmo, segurando-me para não explodir-lhe em socos, os quais ardia em desejos de dar-lhe, mas ele sorriu, afastando-se novamente de mim, caminhando lentamente em direção à janela, através da qual colocou-se a olhar longamente.

- Caso ainda reste alguma dúvida, é impossível escapar daqui, mas, ainda que conseguisse, você seria restituída a mim de qualquer parte do universo onde se encontrasse, então, poupe suas forças e resigne-se, Inkailah. Quando finalmente conhecer as possibilidades que a aguardam no meu mundo, verá que a sua servidão a mim em verdade será muito...doce - e assim tendo dito, fremiu o botão atrás da orelha enquanto dizia - Senhor Greeghan, pode vir buscá-la - E desse instante em diante não olhou-me mais.

Pareceu incrível até mesmo a mim mesma, mas naquele momento senti-me quase grata ao ver a carranca horrível de Greeghan, pelo simples fato de que vinha para retirar-me da presença daquele homem que me enojava. O reptiloide gigante chegou até o centro do grande salão e fez a esperada e conhecida mesura:

- Milorde.

- Leve-na para seus aposentos agora e, quando ela quiser, apresente-lhe as dependências da refinaria, para que se habitue a andar por onde desejar.

- Sim, milorde.

- De agora em diante ela estará sob sua guarda; você será responsável pela sua segurança. Não falhe, Greeghan, nada deve acontecer a ela. Foi uma aquisição...cara. Falhe, e será pessoalmente responsabilizado. Podem ir agora.

- Com a sua permissão, Lorde Balem - disse Greeghan, e fez-me um gesto para que o acompanhasse. Não me movi, apenas por um instante pensando que, se eu fosse grande e tivesse garras nas mandíbulas como ele, estaria agora estraçalhando aquele homem diante de nós - e notando minha demora, Greeghan repetiu o gesto. Comecei a andar. Mas alguns metros adiante ouvi a voz do homem dirigir-se a mim e parei novamente.

- Não se está esquecendo de nada, escrava?

- Com a sua permissão, Lorde Balem.

E assim falando, tremia de raiva dos pés à cabeça. Ele apenas ergueu uma das mãos com seu gestual lento, dispensando -me assim, e então voltei-me em direção à porta, novamente seguindo Greeghan, e as portas altas se fecharam às minhas costas assim que passei.

*

*

O quarto que me ofereceram era ainda maior e mais luxuoso do que o que eu tivera antes, mas nada disso tinha para mim a menor importância. Dispensei as inúmeras criadas que tentaram entrar junto comigo no recinto oferecendo-me mil coisas, como roupas novas, banhos aromáticos e comida, em quase desespero, e assim que consegui ver-me sozinha e trancada lá dentro, comecei a retirar o cinto que me prendia a túnica, desenrolando-o apressada e com uma urgência desesperada, para depois passar a saia dela por entre a corrente e passá-la pela cabeça, ficando nua, apenas a corrente presa ao redor de mim, e enfiando os dedos sob a folga que Balem deixara, comecei a puxá-la com toda a força que tinha, até que os dedos me ficassem arroxeados e a pele do corpo quase se cortasse, mas a maldita corrente sequer cedia. Em agonia, procurei por algum objeto que a pudesse cortar ou fazer arrebentar, mas nada adiantava. Não conseguia abri-la nem sequer passá-la pelo quadril ou pelo tórax, e tentei até que estivesse toda machucada e exausta, e caísse num canto chorando, abandonada ao meu desespero.

Não sabia ainda ao certo o que a colheita significava, mas me soava como simplesmente morte, e em meio ao meu choro, eu roguei, não aos meus deuses, porque estavam mortos, porque eram uma farsa e na realidade nunca haviam existido, mas roguei à vida em mim, que ainda havia:

- Quisera eu tivesse sido colhida junto com o restante de todos os zalarianos! Para que eu ainda estou viva aqui? Quisera eu que houvesse sido colhida!

*

*

Na manhã seguinte recusei qualquer ajuda para vestir-me, mas ainda assim era possível ver os vergões feitos em minha pele pela luta que eu travara com a corrente e que havia perdido, pelos vãos laterais em minha túnica, e alguém deve ter passado adiante a informação de que estava ferida, porque me encaminharam uma espécie de doutor embora eu não tivesse nem pedido nem me queixado de absolutamente nada. Em silêncio, olhava para os equipamentos modernos que ele usava, como jamais havia visto, e deixei-me examinar inteira, começando a achar que vinha muito a calhar passar por exames, embora não tivesse planejado. Passava ele algo parecido a um scanner sonoro sobre minha cabeça, quando persebi que lançou-me um olhar minimamente descontente, mas não disse palavra.

Com certeza ele fora capaz de me diagnosticar e, talvez, se Lorde Balem soubesse a verdade, me liberasse, porque eu não tinha serventia para ele... nem para ele nem para ninguém.

Porque, provavelmente, eu já sabia, eu não tinha mesmo muito tempo de vida.

*

*

Notas Finais

Qual o sentido de fornecer a uma mera escrava os confortos de uma senhora?

E qual o sentido de marcar contra fuga alguém que está em um local do qual não se pode fugir?

Por que oferecer segurança a ela, e, mais, porque deixá-la a par de toda a verdade?

Quais os planos secretos de Lorde Balem guardados para Inkailah?

E qual seria a sua doença terminal, e a que a sua descoberta em Júpiter levaria?

Questões que se levantam para instigar o leitor para o próximo capítulo.

A Escrava de Lorde Balem  (terminada)Onde histórias criam vida. Descubra agora