Está chovendo lá fora.
Acho melhor reformular essa frase: está chovendo muito lá fora. É como se o céu estivesse derramando todas as lágrimas que até aquele momento guardara em silêncio no peito, sem se importar se tantas mil pessoas estão sendo obrigadas a se refugiarem em cômodos claustrofóbicos e empoeirados.
Nós duas estamos sentadas em banquetas de plástico e extremamente geladas, as quais complementam o conjunto da mesa da cozinha, sem sabermos exatamente para onde vamos fugir. Encolhidas por causa do frio brusco, eu aperto entre os dedos o copo que guarda um café aguado – feito por mim – e você me fita irritada, tentando encaixar sem sucesso as peças do problema que há poucos minutos atrás não sabíamos que existia.
Você me pergunta o que iremos fazer, mas estou distraída demais, encarando cada pingo de chuva que escorre tristemente pelo vidro, formando desenhos tão avulsos e sem direção quanto os nossos pensamentos. Ouço, sem querer, um suspiro frustrado ocupar o ar, porém, continuo em silêncio. E não demora muito para que você desista da minha quietes banal, levantando-se e pegando a chave do nosso carro. Pergunto para onde vai, e você, encarando-me como uma onça exausta, diz que precisa sair para respirar e pensar.
Flagro-me, assim, imaginando que nuvem insensível está pairando sobre nós e que maré de azar decidiu se agitar.
A porta bate e escuto as suas chaves rolarem dentro da sua bolsa, enquanto você desce as escadas do prédio. Eu queria poder rir do nosso pequeno caos, da ironia da vida e de como tudo se transforma tão depressa. Se ontem estávamos felizes, hoje acordamos cinzas como a tempestade que já trinca as árvores pela manhã.
Aliás, odeio dias cinzentos. Odeio não saber o que falar. Odeio o fato de seu irmão estar prestes a se casar e sua família não aceitar nosso relacionamento. E como odeio odiar tudo isso.
É ainda mais horrível saber que as nossas vidas não são como esses cartões postais de turismo, em que escrevemos no verso o endereço que queremos e em que as paisagens estão sempre estagnadas, constantemente alegres. Não há dias de tempo ruim nos cartões postais. Não há trovão, nuvens escondendo o sol e gente com problemas. Mas também não há nós duas, e isso é, no mínimo, igualmente trágico.
E se eu fosse explicar para uma criança como as confusões e as tristezas nascem ardente dentro de cada um, diria que somos como uma massa de ar quente, animadas para enfrentar as vinte e quatro horas não precisas do dia desse teatro universal. Entretanto, às vezes, encontramos um dobramento moderno, um pico que antes não estava ali, uma montanha estranha, e eles nos resfriam, fazendo chover.
Fazendo-nos condensar.
A gente começa a chover, caindo gota a gota, bagunçando o que antes era a nossa base de sustentação de terra vermelha e roxa.
Tenho quase certeza que a criança não entenderia. Essa mistura insana de massa de ar quente e fria talvez não faça muito sentindo, eu sei. Contudo, para ser honesta, acho que ela não compreenderia principalmente porque sentimentos são essências mais complexas que os átomos vivos dos vírus – a prova disso é que eu nem sei exatamente o que é que acabei de escrever.
Enfim, embora seja uma confusão total, a verdade é essa.
Às vezes, nós estamos seguindo um caminho com o sorriso estalando nos dentes e, sem pedir licença, alguém nos conta que existe um abismo bem ali em nossa frente e que não tem como voltar. Ficamos sem saber o que fazer. Pula, constrói uma ponte ou só espera os dias passarem?
Você pularia? Eu não sei. Não sei o que fazer com essa minha situação minúscula, imagina com essa. Aparentemente, falhei no quesito ser responsável e madura como adultos precisam ser.
De qualquer maneira, se eu pudesse, evitaria contar que, infelizmente, nem sempre é o relevo esfriando nossos corações. Arriscaria omitir a realidade, porque, na maioria dos casos, quem nos faz desmanchar feito papel são nossos polos, nosso tais norte e sul. Eles deixam uma parede gélida em nosso trilhar, e quando nos chocamos contra as cicatrizes de tijolos polares que nossas famílias marcaram em nós, meio que sem querer, há de chover litros de mágoa e dor nos vales de nossa alma.
Meu amor, eu queria tanto que seu norte e sul não estivessem condensando seu olhar. Que seus pais não nos encarassem como animais de um zoológico extraterrestre.Mas eu sei que essa tempestade não é eterna e que outras tardes chegarão. Nenhuma chuva percorre os anos da eternidade. E quando você voltar, eu estarei esperando-a de braços abertos, como um guarda-chuva amarelo, pronta para sussurrar em seu ouvido que o sol logo retornará. Que logo os relâmpagos vão se tornar flores.
Lembrar-me-ei (que coisa horrível. Finge que eu escrevi vou me lembrar) ainda de falar para você ir ao casamento sem mim e que está tudo bem ficar triste, afinal, somos tudo: desde nuvem, vento até água; menos ferro, isso não podemos ser. Tenho certeza que você insistirá em questionar, alegando que sua família poderia ao menos dessa vez me aceitar, mas eu vou insistir, mesmo que concordando com seus argumentos, pois sei que ao menos dessa vez você precisa ir.
Ele é seu irmão, entende?
Ah, veja só!
Estou enxergando um pedaço azul límpido sobre nós, meu anjo. É um sinal de que a frente fria está partindo. Então, venha para casa. Vamos assistir a um filme e fingir que não iremos nunca mais condensar.
NOTAS:
Heey, galerinha! Como estão?
Sim, eu sei que chuva e sol vão voltar são ideias bem clichês, mas eu precisava escrever sobre isso. E espero que tenham gostado 'hahah
Por favor, comentem. Nem que seja um mero "gostei" ou "odiei, o capítulo anterior foi melhor" 'hsuhdsuhd Sério, comentem <3
E aos que chegaram até aqui, obrigada meeeeeesmo!
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Sentimentos Geográficos
General FictionOntem eu tentei caçar as estrelas que pairavam sobre nós, apenas para dá-las a você. E eu queria muito ter o dom de ser mais do que sou, porque sei que você merece todo o universo, e, infelizmente, limito-me a ser um mero satélite natural. Mas se é...