Entre os tic-tac dissimulados, quase posso ouvir o canto dos passarinhos no ninho lamentando as mães que logo cedo já saíram em busca de comida, assim como quase escuto o ruído dos carros que começam a correr sem direção certa na pista úmida pela geada da madrugada. Mas, embora o nosso planeta seja tão grande e tão cheio de detalhes, sou capaz apenas de observar com precisão os primeiros raios de luz que invadem o nosso quarto, desafiando os vãos da nossa janela branca e a minha vaga impressão de que alguém, escondida nas nuvens, me observava dormir.
Desligo o despertador e aprecio os feixes luminosos que descansam sobre seus cabelos longos, deixando dourado o que antes era castanho. E, céus!, você é assustadoramente linda. Linda ao ponto de tornar impossível, ao menos para mim, não sorrir ao vê-la espatifada entre os lençóis levemente empoeirados. Então meus olhos sorrateiros contornam cada canto misterioso de seu rosto oval, terminando a viagem em seus compridos cílios, os quais se encontram levemente trêmulos. Ah, é assim que percebo o quão eficaz é seu poder de me fazer de boba. Rio baixinho ao notar que você está acordada faz tempo e que sabia da minha aventura pelas suas fronteiras.
Você abre seus olhos e, embora um pouco sonolenta, se aproxima de mim. Sinto o nosso hálito se misturar no ar e esquentar a ponta de meu nariz. Chego ainda mais perto de você e deslizo minha mão pela sua cintura, enquanto você fica brincando com os caracóis desajeitados que há no meu cabelo curto.
Transformo-me em seu mais verdadeiro satélite, contornando o meu mais verdadeiro astro. E você não se importa se sou somente uma lata velha feita por homens racionais demais para acharmos graça. Permaneço assim na sua exosfera, tentando mandar sinais do meu coração direto para o seu. Buscando mostrar as imagens que tenho de nós duas no futuro: Felizes e desafiando qualquer gravidade que queira destruir nossos planos impulsivos.
Mas eu quero ser mais que um satélite para você, meu amor. Quero desvendar todos os seus segredos, todas as suas camadas. Mesmo que eu tenha que enfrentar o frio intergaláctico.
Dedilho meus dedos sobre si, passando-os por suas costas até chegar nos ombros e em seguida tocando sua mão. Encaro suas unhas roxas e compridas, e as minhas, verdes e ruídas. A gente ri, mesmo que a piada nem tenha surgido. Penso nessas cores e nesse seu olhar vibrante sobre mim, como se eu fosse uma aurora boreal a ser admirada. Mal sabe que quem é a luz mais bonita do meu céu é você.
Sem medo, mergulho em sua termosfera, rendendo-me ao calor do momento e às ondas coloridas do edredom. Nossos lábios se chocam, deixando um gosto provocante na boca. E o nosso beijo demorado e silencioso ecoa pelo quarto, em um som tão agradável que as emissoras de rádio adorariam repetir em todas as frequências de todas as manhãs.
Parece que ficamos assim por uma eternidade, sendo o nosso mais infinito instante. Até que enfim fito seus globos oculares, seu pescoço desnudo e a sua cicatriz no ombro esquerdo, embarcando timidamente em sua mesosfera.
Quase posso sentir meu peito arder de desejos. E assim nos enrolamos, meio que em um abraço que somente nós duas conhecemos. Com os braços encaixados uma na outra, noto o quão bem você me faz. Céus, você me faz maravilhosamente bem. É como se aqui, nesse espaço só nosso, nenhum meteoro de dor fosse capaz de nos atingir. Sim, nenhuma pedra em chamas de ódio, de julgamentos ou olhares estranhos pode nos machucar.
Eu quero tanto você, mas um tanto gigantesco.
Arranco pouco a pouco seu pijama do Frajola até seu corpo estar à mostra, e cada movimento novo é mais um encostar de lábios pressionando sua pele. Sorrio, então, ao me deparar com seu sutiã; enquanto eu quero tacar fogo nessa invenção terrível, você sempre faz questão de usá-lo. E preciso dizer: Bege certamente é a sua cor.
Meu coração grita, não suportando mais a mínima distância que há entre nós.
Caço com cuidado o feixe e, sem dificuldade, o desvendo. O sutiã voa para longe até encontrar um chão morno, enquanto eu, admirada com cada centímetro de seus seios, entrego-me a sua estratosfera. E como se eu fosse um balão de medição climática, digo a mim mesma que o clima desse cômodo é de mais pura paz.
Queria ter a capacidade de nesse segundo lhe contar as mais belas histórias e de lhe dizer as frases certas, porém, apenas consigo agradecer. Agradecer por ter você ao meu lado. Agradecer porque, antes, o amor para mim era algo extremamente distante, a cerca de noventa graus do meu mundo. Era a minha Antártida.
Mas confesso que agradeço ainda mais por você saber que há mais dessa dor e, mesmo assim, não desistir de mim, não é mesmo? Você sabe que as palavras de gente indiferente provocaram um "buraco" em minha alma de ozônio, fazendo derreter cada calota do que já era gelo cortante. Porém, eis que você apareceu e tudo se transformou. Um efeito estufa de carinho aqueceu-me sem me destruir.
Então, é desse modo que entendo que você é a minha troposfera. Você é meu porto seguro com todas as essências necessárias para que haja vida em mim. Contigo, sou capaz de voar em todas as direções, como um avião que leva diversos passageiros para incríveis férias.
Respiro ofegante, ansiosa por poder velejar em seu mar.
Ouço, finalmente, seu gemido em êxtase, no mesmo instante que seu corpo deixa escorrer uma camada fina de suor e dança na mesma sintonia que a minha. Rapidamente, sei que estamos prestes a pousar em nossa ilha particular, onde o tempo não tem espaço e nem voz. Onde tudo se resume ao nosso pulsar - um fenômeno mais intenso que a formação das nuvens, das chuvas ou dos relâmpagos.
Tranquila, sorrio.
Vamos, amor. Vamos pousar.
NOTAS:
Olá, amores!
Sim, eu sei que esse capítulo ficou longo. Mas era necessário e eu realmente espero que tenha ficado bom 'hahah
A partir desse capítulo, estarei colocando nos comentários o rodapé que explica bem basicamente - e grotescamente 'rs - a geografia presente no texto, assim não roubo espaço daqui.
Obrigada mesmo por quem está acompanhando essa ideia maluca <3
Beijos e até a próxima :)
Ps: Ouçam as músicas, por favor. Faz parte dessa viagem bizarra!!
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Sentimentos Geográficos
General FictionOntem eu tentei caçar as estrelas que pairavam sobre nós, apenas para dá-las a você. E eu queria muito ter o dom de ser mais do que sou, porque sei que você merece todo o universo, e, infelizmente, limito-me a ser um mero satélite natural. Mas se é...