Segure a minha mão, meu amor. Entrelace os nós de seus dedos entre os meus, ou melhor, entrelace os nós do seu coração juntamente ao meu. Mas, por favor, não permita que esse tornado destrua os jardins de sua alma.
Silêncio. Está tudo em extremo silêncio. E eu quase posso sentir a textura do ar tocar minha pele.
Olho os ponteiros do relógio girarem continuamente como um carrossel quebrado e solitário, e nada parece fazer muito sentido. Queria dizer que entendo a sua dor, mas eu sei que alguns sentimentos são particulares de cada um e que cabe a cada pessoa sentir a sua maneira.
Então, por favor, sinta. Sinta o que precisa ser sentido, meu anjo.
O coração de seu pai calou-se de madrugada. Simplesmente assim, sem qualquer sinal de antecedência ou beijo de despedida. É como se, de repente, o órgão dele tivesse precisado dormir e, sem querer, esqueceu-se de programar o despertador para o dia seguinte. E nós ficamos espiando por detrás da porta, sem poder acordá-lo e dizer tudo aquilo que agora ficará apenas em nossos pensamentos.
O que antes ecoava, mesmo que relutante, cessou-se por completo, abandonando no caminho um zumbido de saudade. Saudade do que foi embora e poderia ter ficado muito mais.
Saudade. Uma palavra brasileira que não existe em mais nenhum outro canto do mundo. Uma palavra de sete letras e mil significados. Uma única e mísera palavra que é capaz de preencher todo o nosso interior.
Do que tanto mais você sente falta?
Confesso que, para mim, a morte não é cruel, nem uma inimiga ou um simples processo natural. Ela é o "e se?" áspero enfeitando os rodapés das nossa história.
E se você não tivesse me conhecido? E se você não me amasse? Teria passado mais tempo com ele? Ainda teriam se afastado tanto a ponto de mal se reconhecerem na troca de olhares? Teriam discutido tantas vezes?
E se na família que você quer fazer parte não há espaço para mim?
E se. Duas palavras e três letras. Duas palavras, três letras e um vácuo entre elas: o suficiente para que a nossa mente imagine trezentas verdades para o vão que nunca foi ocupado. O suficiente para nos afogarmos na culpa que nunca deveria ter existido, no que é puramente o nada.
E se a morte for somente um detalhe que faz com que uma página qualquer se transforme na então última linha daquele enredo?
Eu diria que a vida é feita de detalhes, de entrelinhas que não somos capazes de ler. E quando alguém vai embora, nos perdemos nas inúmeras possibilidades que poderíamos ter construído. A questão é: Como lidar com o que não aconteceu?
Como lidar com os fantasmas que criamos dentro de nós?
Quero xingar meu egoísmo comedido e esse meu desespero imaturo, porque estou pensando muito mais em mim do que nessa situação toda. Mas estou com medo. Você não está aqui, e eu não posso estar aí, afinal, é o momento da sua família.
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Sentimentos Geográficos
General FictionOntem eu tentei caçar as estrelas que pairavam sobre nós, apenas para dá-las a você. E eu queria muito ter o dom de ser mais do que sou, porque sei que você merece todo o universo, e, infelizmente, limito-me a ser um mero satélite natural. Mas se é...