Metrópoles

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Sinto-me como um barman qualquer trabalhando em um boteco de emoções reprimidas. Forçadamente, abro meu coração engarrafado e o sirvo em taças vazias, saciando a sede de algumas páginas brancas.

Gota a gota, sentimento a sentimento, vou enchendo o copo de um líquido que desce queimando pela garganta.

Ah!

Ignore o que eu acabei de escrever.

Ignore porque é mentira. A verdade verdadeira é que eu não estou conseguindo traduzir nem uma vírgula do que a minha mente está soletrando. E, sinceramente, não vejo muito sentido em obrigar a alma a colocar para fora o que ainda quer permanecer dentro de nós.

Ou será que faz sentido?

Pensando bem, chega.

Não consigo escrever sequer mais uma linha. Isso aqui está se tornando um monte de palavras ocas, amarrotadas ao lado de roupas sujas e de tênis encharcados por causa da chuva de ontem.

Simplesmente, chega. Não vou ser como esses poetas que escreveram para musas imaginárias e que marcaram a história com um monte de versos que ninguém entende. Ou que ninguém quer entender. Eu tenho uma pessoa real, bem ao meu lado, que não vejo há mais de um mês, e não vou ficar perdendo meu tempo com esses parágrafos desconexos apenas para contar a mim mesma que escrevi alguma coisa hoje.

Então, chega.

Fim. Acabou. É isso.


*


Quem eu quero enganar? Nunca fui muito boa com promessas. 

"Eu estou tentando me acalmar, sabe? Mas é difícil organizar os pensamentos quando se está transbordando. Se eu pudesse tocar minhas ideias com essas minhas mãos, colocaria-as em gavetas velhas e as trancaria lá até que alguma divindade me contasse que estou pronta para lidar com elas."

Você está fitando seus dedos, os quais são menores que os meus, e sussurrando essas palavras a si mesma, embora eu saiba que, no fundo, deseje que as ouça.

Estamos no cemitério, sentadas sobre uma terra úmida e debaixo de um céu tímido de fim de tarde. O lugar encontra-se no ponto mais alto da cidade, assim, podemos ver tudo que há além dele. Enxergamos os primeiros pontos de luz aparecerem na multidão de casas e prédios monocromáticos, como também carros minúsculos vagando em pistas não tão largas. E, como granulados sobre um pano azul, tem ainda uma ou outra pipa ascendendo perto de nós, tentando caçar os ventos do inverno brasileiro.

Aliás, a primavera já está quase abraçando esse país imenso e completamente abandonado. Nessas horas, assusto-me ao perceber que o tempo está passando rápido demais. Como que se foram trinta dias e eu nem notei? Aonde eu estava nesses minutos que duraram tantas eternidades? 

Um mês. Trinta dias. Não vinte e nove ou dezoito, mas trinta. Trinta dias entediantes que passei sem você, visitando-a somente nos finais de semana. 

Essa, no entanto, é a primeira vez que você vem ao cemitério, já que não quis comparecer ao enterro, nem ao velório e tampouco à missa. É a primeira vez que, ao procurar por seu pai, se depara com uma pedra gravada com um nome que, para outros sete bilhões de seres humanos, não significa absolutamente nada.

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