Onde o Sol se Põe?

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Ao lado da maca hospitalar fria, há um criado-mudo e, sobre ele, um vaso lilás empoeirado

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Ao lado da maca hospitalar fria, há um criado-mudo e, sobre ele, um vaso lilás empoeirado. Eu queria dizer que esse está repleto de flores vivas e cintilantes, mas não é a verdade. Não é verdade porque a mudez gritante do cômodo quase que se encontra agarrando os tristonhos girassóis, e eles, que antes eram conjuntos de pétalas ardentes e aventureiras, agora estão secos, murchos e curvados, além de cansados de procurar alguma luz no estranho final do túnel do céu.

Mas o pior de tudo é que, meu amor, eu sinto que você também se tornou um girassol. Criando raízes fundas em uma terra cheia de alumínio e rachada. Constantemente exausta e sem vontade de lidar com os mesmos conflitos de sempre. E se o seu sorriso for como as tais pétalas de cores quentes, posso perceber que essas já estão caídas pelo chão, sendo pisoteadas pela ironia de um mundo não hollywoodiano e arrastadas por um vento do clima mediterrâneo.

Acontece que já se passou uma semana. Faz uma semana que você se afastou do trabalho, que está dormindo nessa cadeira desconfortável, que luta contra o sono e reza baixinho para que seu pai acorde. Enquanto isso, eu estou sentada no chão, desenhando traços invisíveis no piso cheio de germes e de histórias trágicas para contar.

Contudo, daqui alguns anos, quando outra pessoa estiver se enterrando no mesmo quarto em que nos encontramos, ele contará a nossa história. O enredo de duas jovens adultas, que comemoravam um dos melhores dias de suas vidas e que, de repente, o chiado do telefone trouxe a elas, novamente, as dores de um universo marcado por imprevistos.

Honestamente, eu não aguento mais essas curvas não planejadas que cada vez mais somos obrigadas a enfrentar. Se eu soubesse que esse livro seria grifado por páginas e mais páginas de decepções e agonias, jamais teria me arriscado a velejar nessas palavras. Jamais.

Aparentemente, a nossa rosa dos ventos se perdeu nas esquinas desse cotidiano caótico.

Por isso, não escrevi sobre o que houve nesse intervalo de sete dias. Pulei todas as lágrimas que você derramou; pulei as minhas idas e vindas sozinhas para o apartamento; pulei os miados de saudade de você que Legião e Urbana ecoaram; pulei até mesmo a decaída do estado de saúde de seu pai - começando com um derrame, depois a pressão aumentando inúmeras vezes, o rim esquerdo falhando e, enfim, o médico dizendo que não sabe o porquê dos sintomas tão confusos.

Pulei tudo isso porque realmente acreditei que as coisas ficariam bem. Pensei que poderíamos nos enganar, crendo que as partes ruins não acontecem e, talvez, superlotando nosso roteiro com rubricas alegres e coloridas.

Mas se eu não sei nem pronunciar corretamente a palavra rubrica, como pude ter esperanças de que poderia escolher o rumo das nossas vidas?

O horário de visitas está terminando e logo terei que ir embora. Voltarei para o nosso lar e me deitarei em uma cama que, aparentemente, torna-se um túmulo sem a sua presença. Quanto a você, continuará revezando entre dormir aqui, tomar banho na casa de sua mãe e se alimentar de qualquer precariedade que não contenha carne.  Um ciclo vicioso que, assim como o choque de duas placas tectônicas, se não tomar cuidado, é capaz de criar uma fenda entre nossos diversos "eus" interiores.

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